Lenda negra portuguesa

Entende-se por lenda negra portuguesa o conjunto de ideias anti-portuguesas que vilanizam os portugueses, o império português e a sua história por razões políticas e ideológicas.[1] Disseminadas a partir de finais do séc. XVI pelas potências norte-europeias e protestantes rivais de Portugal, estas ideias influenciaram a historiografia e a forma como Portugal e os portugueses, o império português ou a sua história foram entendidos por muitos séculos desde então.[1][2]

Portugueses residentes na Ásia, representados no Itinerário de Jan Huygen van Lischoten.

História e características

A lenda negra portuguesa integra uma tradição mais vasta formulada pelos povos e estados do norte da Europa que abrange todo o sul da Europa, destacando-se de entre ela a Espanha.[1]

Tal como sucedeu em Espanha, os mais antigos argumentos empregues na criação da lenda negra portuguesa partiram de auto-critica interna portuguesa.[1] Esta auto-crítica foi mais tarde apropriada, sintetizada, sistematizada e disseminada por potências rivais como a Holanda, Inglaterra e França.[1]

Ao contrário de Espanha, cuja lenda negra incidia principalmente sobre a temática da crueldade e da obsessão pela limpeza do sangue, a lenda negra portuguesa começou por ser formulada em torno da facilidade com que os portugueses se imiscuíam com as populações sob o seu controlo e a corrupção do aparelho administrativo.[1]

A formulação de uma lenda negra portuguesa deveu-se em grande medida a Jan Huygen van Linschoten, holandês que serviu de secretário e guarda-livros do arcebispo de Goa D. Vicente da Fonseca até 1589.[1] Em 1596, Linschoten publicou o livro Itinerário, obra altamente e rapidamente disseminada e traduzida, que se tornou numa fonte autorizada sobre o império português na Ásia para audiências transpirenaicas, protestantes e não só mas no qual os portugueses são retratados em tons iminentemente negativos.[1] Nos quatro capítulos que dedica às populações de origem portuguesa na Índia, raras são as referências elogiosas.[1] Este livro é reconhecido desde o séc. XIX como a obra fundadora da moderna "lenda negra" do império português.[3][1]

Os portugueses foram utilizados como um exemplo do perigo da indigenização, num aviso fundamentalmente virado para os norte-europeus que tentavam estabelecer os seus próprios impérios além-mar e que viram na mestiçagem dos portugueses uma razão que explicava o declínio do seu império mais até do que propriamente corrupção.[1][3]

A "lenda negra de Portugal" foi alimentada ao longo de gerações também pela própria comunidade de mercadores ingleses radicados em Portugal, sobretudo em Lisboa e Setúbal, cujos comentários tecidos em tom de desprezo relativamente ao povo do país em que viviam eram admitidos sem reparo, repetidos e comentados entre outras nacionalidades da Europa.[4]

As ideias negativistas relativas aos portugueses e ao seu império foram absorvidas acriticamente até por autores e historiadores portugueses como Alexandre Herculano, Antero de Quental e Oliveira Martins, cuja escrita moldou em muito a opinião pública portuguesa da sua própria história, entre outros intelectuais oitocentistas (posto que Oliveira Martins tenha chegado a reagir contra os discursos negativistas disseminadas pelos norte-europeus sobre os ibéricos).[1][2] Um século volvido sobre a escrita de Oliveira Martins, George Winius defendeu que a decadência e corrupção do império português na Ásia se deveu se porque os sistemas políticos vigentes entre os indianos, com quem os portugueses se associaram, eram propensos à corrupção.[1]

Já em meados do séc XX, o historiador inglês Charles Ralph Boxer muito contribuiu para a formulação de uma lenda negra mais moderna com a publicação do livro Race Relations in the Portuguese Empire, no qual os portugueses passaram a ser representados não como indigenizados e, logo, decadentes, mas como viris e racistas.[1] Esta visão iminentemente e profundamente negativista dos portugueses deu origem ao luso-tropicalismo, uma contra-retórica promovida pelo regime do Estado Novo em que o tema da facilidade com que os portugueses se imiscuíam com outros povos era resgatado para explicar a longa duração do império.[1]

Ver também

Referências