Ana Mae Barbosa
Ana Mae Barbosa,[1] Ana Mae Tavares Bastos Barbosa[2] ou ainda Anna Mae Tavares Bastos Barbosa[2] (Rio de Janeiro, 17 de julho de 1936) é uma educadora brasileira, pioneira em pós-graduação em ensino de Arte.[3] Sua trajetória é influenciada por figuras como Paulo Freire e Noemia Varela, professores responsáveis por transformar seus modos de pensar Educação e Arte, respectivamente.
Ana Mae Barbosa | |
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Nascimento | Anna Mae Tavares Bastos Barbosa 17 de julho de 1936 (87 anos) Rio de Janeiro, RJ, Brasil |
Nacionalidade | brasileira |
Alma mater | Universidade Federal de Pernambuco |
Ocupação | pedagoga, professora universitária |
Prêmios | Ordem Nacional do Mérito Científico Ordem do Mérito Cultural (2016) Prêmio Jabuti (2016) |
Empregador(a) | Universidade de São Paulo Universidade Anhembi Morumbi Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo |
Ana Mae Barbosa integrou o Movimento Escolinhas de Arte, iniciado nos anos 1940 no Brasil e com atuação fora do sistema de educação pública, que visava pesquisar novos parâmetros para a Arte-educação, pautados na liberdade de expressão, considerando a relevância da Arte no processo educativo e na formação dos sujeitos. Nos anos 1980, a educadora sistematizou a Abordagem Triangular — proposta pedagógica pautada em três eixos para o conhecimento em Arte: ler (ler uma obra de Arte), fazer (fazer Arte) e contextualizar (conhecer o contexto da obra).
Durante sua gestão como diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), diversas exposições e ateliês foram realizados a partir do ideal de transformá-lo em um espaço democrático, aberto para todos os públicos. Sua atuação impactou o setor educativo deste e de outros museus do Brasil.
Autora de obras fundamentais para o estudo em Arte-educação, é considerada a principal referência nesta área no Brasil.[4]
Trajetória
Nasceu no estado do Rio de Janeiro, mas mudou-se para o Recife quando tinha três anos de idade, em decorrência da morte prematura do pai. Aos seis anos de idade, com o falecimento de sua mãe, passou a morar em Alagoas com seus avós maternos, responsáveis por sua criação.[5]
Em 1954 ingressou como aluna no Instituto Capibaribe, no curso preparatório para o concurso para professores primários da Secretaria de Educação de Pernambuco. Ali foi aluna de Paulo Freire e Noemia Varela, influências decisivas em sua trajetória profissional. Noemia Varela foi figura importante para sua escolha pelas Artes visuais, pois a professora, responsável pelas aulas de Arte-educação, criou condições para que ela experimentasse essa forma de expressão como experiência estética.[6]
Paulo Freire foi responsável por transformar seu pensamento sobre Educação e tornou-se amigo da pesquisadora. Nas palavras de Ana Mae Barbosa:
Paulo me convenceu que a educação era uma forma de libertação. Ele me levou para a Escolinha de Arte que havia em Recife — a Escolinha de Arte do Brasil, criada na década de 1950, pelo artista pernambucano Augusto Rodrigues — e fui me envolvendo cada vez mais com a área. Paulo foi um grande mentor e amigo.[7]
Em 1958, ela começou a trabalhar Arte-educação com crianças e adolescentes na Escolinha de Arte do Recife, dirigida por Noemia Varela. Em 1960 graduou-se bacharel em Ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).[8] Em sua formação, ela relata que essa foi a experiência mais opressiva, pois num curso em que mulheres eram minoria, tiveram que lutar "contra a desqualificação intelectual que sofríamos por parte de nossos professores e também de nossos colegas".[8]
Para Ana Mae Barbosa, a experiência opressiva foi propulsora de seu engajamento no processo de liberação dos outros, por meio da educação.[8]
Em 1964, a Universidade de Brasília convidou a arte-educadora para organizar uma escolinha de arte — aberta em 1965 — com o objetivo de atender crianças e adolescentes, ofertar cursos aos professores e promover pesquisas em Arte-educação que contribuiriam para a construção de um caráter científico nessa área do conhecimento.[9]
Foi casada com João Alexandre Barbosa[10] e mudou-se para os Estados Unidos, em 1971, com os filhos Frederico e Ana Amália — então com dez e cinco anos de idade respectivamente — e o marido, que recebeu uma bolsa para estudar na Universidade Yale. Embora tenha solicitado uma bolsa à CAPES para fazer seu mestrado em Arte-educação neste país, não obteve a bolsa de estudos. Por se tratar, na época, de uma área desconhecida dos programas de aperfeiçoamento de professores no Brasil, a instituição negou a bolsa. Contudo, num evento da Universidade Yale, conheceu um professor de Português que lhe fez um convite para dar aulas na instituição, na área de Cultura brasileira, experiência que ocorreu em 1972 e possibilitou que custeasse seu mestrado, iniciado neste mesmo ano na Universidade de Connecticut.[11]
Em 1974, Ana Mae Barbosa concluiu o mestrado — sob orientação de George Harrington — com a dissertação The Teaching of Visual Arts in Primary and Secondary Schools in Brazil.[a][12]
Em 1979, concluiu o doutorado na Universidade de Boston, orientada por Richard Rapacz, defendendo a tese American Influence on Brazilian Art Education in Brazil: Analysis of Two Moments (Walter Smith and John Dewey), que aborda a influência estadunidense no ensino da Arte no Brasil.[13]
Defendeu em 1990, na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), sua tese de livre-docência intitulada Arte na Educação: Anos 80 e Novos Tempos,[14][15] que analisa a situação conceitual e política do ensino da Arte no Brasil, na década de 1980. A obra ressalta metodologias de ensino que tomam a Arte como cultura e não simplesmente como expressão. O trabalho foi publicado como livro em 1991 — com o título A Imagem no Ensino da Arte: Anos Oitenta e Novos Tempos.[16]
Docência e Pesquisa na Educação Superior
Em 1973 começou a lecionar na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)[2] e, em 1974, na ECA-USP, contribuindo à formação de várias gerações de pesquisadores e estudiosos dos mais diversos temas na área de Arte-educação. Na ECA, Ana Mae Barbosa criou o primeiro programa de pós-graduação em Arte-educação do país, orientando dezenas de estudos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.[17]
Em 1980, idealizou e organizou a Semana de Arte e Ensino. Realizada no período de 15 a 19 de setembro de 1980 na ECA-USP, foi o primeiro evento em torno da Arte-educação realizado no Brasil e contou com a participação de cerca de 3 mil educadores em plenárias que contaram com a participação de Walter Zanini, Aloísio Magalhães, Noemia Varela e Paulo Freire.[18][19]
Criou, com Regina Stela Barcelos Machado, o curso de especialização em Arte-educação da ECA-USP que se manteve ativo entre 1984 e 2001.[20]
De 1987 a 1993 foi diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), promovendo atividades pautadas no ideal de transformá-lo em um espaço democrático. Voltou-se à sistematização do ensino de Arte em museus, impactando o setor educativo de museus no Brasil.[21]
Entre 1991-1993 presidiu a International Society of Education through Art (InSEA), entidade que reúne especialistas do mundo todo. Ela foi a primeira latino-americana, e a única até o ano de 2023, a presidir a instituição.[22][23]
Em 1997 lecionou Universidade Estadual de Ohio, nos EUA.[24]
Em 2018 recebeu o título de professora Honoris Causa pela UFPE[25] e, em 2022, recebeu o título de professora emérita pela ECA-USP.[26]
Movimento Escolinhas de Arte
Ana Mae Barbosa integra o rol de figuras de destaque do Movimento Escolinhas de Arte, iniciado nos anos 1940, com o objetivo de pesquisar novos parâmetros para a Arte-educação fundamentados na liberdade de expressão.[27] Atuou na Escolinha de Arte do Recife entre 1958[28] e 1966,[29] participou da organização da Escolinha de Arte em Brasília, em 1965,[9] e da organização da Escolinha de Arte de São Paulo (EASP), no ano de 1968.[30][31]
Com atuação fora do sistema educacional de ensino público, as Escolinhas de Arte integraram movimento que buscava recriar a educação, enfatizando a relevância da Arte no processo educativo e na formação do sujeito. A Arte era tomada como recurso pedagógico à expressão dos sujeitos e não como um símbolo de distinção e refinamento destinado a pessoas de classes sociais elevadas.[9] O Movimento foi essencial para que a Arte-educação fosse repensada em função do desenvolvimento das pessoas e da sociedade e, embora iniciado e desenvolvido fora do sistema de educação formal, impactou-o profundamente.[32]
Abordagem Triangular
A Abordagem Triangular do ensino da Arte foi sistematizada no final dos anos 1980 por Ana Mae Barbosa, a partir das abordagens epistemológicas do Critical Studies britânico, do Discipline-Based Art Education (DBAE) estadunidense, e das Escuelas Al Aire Libre mexicanas.[33] Inicialmente foi denominada Metodologia Triangular, sendo posteriormente renomeada. A pesquisadora utiliza o termo "sistematizada" para referir-se à Abordagem Triangular, pois afirma que tal denominação — Abordagem Triangular — estava implícita na condição pós-moderna.[34][35]
Trata-se de uma proposta pedagógica estruturada a partir de três eixos para o conhecimento em Arte: o ler (ler uma obra de Arte), o fazer (fazer Arte) e o contextualizar (conhecer o contexto da obra). No ensino da Arte, a Abordagem Triangular indica que o conhecimento em Arte ocorre na intersecção entre experimentação, informação e decodificação, portanto, por meio da inter-relação entre leitura, fazer artístico e História da arte — atividades constitutivas da epistemologia da Arte.[36][37]
A abordagem possibilita uma interação entre partes e todo e vice-versa, ou seja, não apenas entre disciplinas de Arte, mas também entre outras disciplinas do currículo escolar. Nesta abordagem, não há uma ordem estabelecida para a exploração dos três vértices no processo pedagógico, sendo sua condição que todos estejam contemplados de maneira articulada.[34][38]
A Abordagem Triangular é uma referência às transformações no ensino da Arte no Brasil e surge em meio à necessidade de uma prática de ensino pós-moderno da Arte, num momento em que o Brasil saía do período ditatorial. Até então, no ambiente escolar brasileiro, não havia o contato do estudante com imagens de obras de Arte, tampouco com sua contextualização histórica; o foco das aulas era a livre-expressão e o desenho trabalhado de modo geométrico, sem preocupações em torno da compreensão e da aplicabilidade.[39]
O primeiro programa educativo pautado na Abordagem Triangular foi desenvolvido por Ana Mae Barbosa em 1987 no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), quando foi sua diretora.[40][1]
A Abordagem Triangular serviu de influência para os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte dos Ensinos Fundamental e Médio brasileiros, estabelecidos em 1997, sem ser anunciada explicitamente.[41][42]
Ana Mae Barbosa indica que, desde seu surgimento, esta abordagem é alvo de transformações a partir da ação recriadora de educadores e pesquisadores. Para ela, a metáfora do triângulo não mais corresponde à sua estrutura, sendo mais adequado representá-la pela figura de um zig-zag, dado que os professores têm ensinado que o processo pode se dar por diferentes caminhos — e não apenas pela ordenação dos vértices do triângulo.[43][44]
Obras publicadas
A seguir, algumas obras de sua autoria:
- 2019: Mulheres Não Devem Ficar em Silêncio: Arte, Design, Educação — organização Ana Mae Barbosa e Vitória Amaral (Cortez)[45]
- 2015: Redesenhando o Desenho: Educadores, Política e História (Cortez)[46]
- 2010: Abordagem Triangular no Ensino das Artes e Culturas Visuais — organização Ana Mae Barbosa e Fernanda Pereira da Cunha (Cortez)[47]
- 2008: Ensino da Arte: Memória e História (Perspectiva)[48]
- 2006: Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias Internacionais (Cortez)[49]
- 2005: O Pós-Modernismo — com Jacó Guinsburg (Perspectiva)[50]
- 2002: Alex Flemming (Edusp)[51]
- 2002: Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte (Cortez)[52]
- 1998: Tópicos Utópicos (C/Arte)[53]
- 1997: Arte-Educação: Leitura no Subsolo — organização de Ana Mae Barbosa (Cortez)[54]
- 1991: A Imagem do Ensino da Arte: anos oitenta e novos tempos (Perspectiva)[55]
- 1986: História da Arte-Educação — organização de Ana Mae Barbosa (Max Limonad)[56]
- 1984: Arte-educação: Conflitos/Acertos (Max Limonad)[57]
- 1982: Recorte e Colagem: Influências de John Dewey no Ensino da arte no Brasil (Autores Associados e Cortez)[58]
- 1978: Arte-educação no Brasil: das Origens ao Modernismo (Perspectiva)[59]
- 1975: Teoria e Prática da Educação Artística[60]
Prêmios e honrarias
Ao longo de sua carreira, Ana Mae Barbosa recebeu importantes prêmios e honrarias, como
- 2023: Doutora Honoris Causa, Universidad Nacional de las Artes/ UNA (Buenos Aires, AR).[61][62][63]
- 2022: Professora Emérita, ECA-USP.[26]
- 2021: Medalha de Mérito Museológico Waldisa Rússio Camargo Guarnieri.[64][65]
- 2019: Prêmio Donizete Galvão, Balada Literária de São Paulo.[66][67]
- 2018: Professora Honoris Causa, UFPE.[25]
- 2017: Prêmio Itaú Cultural 30 anos, Itaú Cultural.[68]
- 2016: Ordem do Mérito Cultural, concedido pela Ministério de Cultura às pessoas que se destacam por suas contribuições com à cultura.[69][70]
- 2016: 58º Prêmio Jabuti, na categoria Educação e Pedagogia por Redesenhando o Desenho: Educadores, Política e História.[71]
- 2014: Nomeada Consejera Honoraria do Consejo Latinoamericano de Educación por el Arte (CLEA).[72]
- 2006: Prêmio Edwing Ziegfeld.[73]
- 1999: Prêmio Internacional Sir Herbert Read, InSEA-UNESCO.[74][75]
- 1999: Prêmio Olho Latino — Museu Olho Latino.[76]
- 1997: Título de Distinguished Fellow, National Art Education Association (NAEA).[77]
- 1989: Grande Prêmio de Crítica na categoria Artes Visuais, Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).[78]
Notas
Referências
Ligações externas
- Ana Mae Barbosa. 12/10/1998. Entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura. Canal Roda Viva do Youtube
- Currículo Lattes de Ana Mae Barbosa
- Encontro Internacional de Arte/Educação - Solenidade de entrega de Título de Doutora Honoris Causa. 02/12/2023. Canal Instituto de Artes - UNESP - do Youtube
- História do Ensino da Arte no Brasil. 2012. Canal Innovatio Laboratório de Artes e Tecnologias para Educação do Youtube
- Produção Intelectual de Ana Mae Barbosa cadastrada no Repositório da Produção USP