Devotio Moderna

Devotio Moderna ou Devoção Moderna foi um movimento de renovação apostólica do final do século XIV até o XVI, onde homens e mulheres procuravam orientar suas vidas pelos ideais do cristianismo primitivo, despojando-se de bens materiais e praticando exercícios de ascese espiritual.[1] Associado principalmente aos irmãos de vida comum, seu fundador foi Gerhard Groote e seu escritor mais famoso o Monge Tomas de Kempi[2]. Ocorreu inicialmente nos Países Baixos (Deventer, Holanda atualmente) e sua ramificação a congregação dos cânones agostinianos de Windeshein [3], criando uma forte e convencional forma para a vida devota, fazendo-se conhecer os seus devotos por seus movimentos calmos e calculados, sua postura curvada e suas roupas remendadas propositalmente.[4]

Devotio Moderna

Foto moderna de Windesheim
Países Baixos Países Baixos

Século XIV - Século XVI

Representantes
Gerhard Groot

Florent Radewijns

Tomás de Kempis

Obra
A Imitação de Cristo

Etimologia

Devotio (de devovere) - Ação de se dedicar, dedicação. Voto com que alguém se obriga, se consagra, se dedica.[5]  

Origem

Gerhard Groot (1340- 1384), conhecido também como Geert Groote, denunciava os abusos da Igreja e procurava a reforma dessa instituição, sendo assim, a Igreja retirou a autorização para ele pregar.[6] Dentro desse contexto, Groote modificou seu estilo de vida e converteu sua casa, em Deventer, nos Países Baixos, em uma comunidade de mulheres devotas no final do século, que mais tarde tornaram-se “Irmãos da Vida Comum”.[7] Em decorrência de seus estudos na Universidade de Paris, Groote utilizou o aprendizado sobre o direito canônico para defender a devotio moderna das acusações de heresia.[8]

Nos seus sermões escritos, Groote relatava sobre a pobreza, a vida comunitária, o compromisso com Cristo e a necessidade da Igreja estar presente no mundo, grande parte do pensamento do holandês está inserida na obra A Imitação de Cristo de Tomás de Kempis.[6] No final da década de 1370, a pregação de Groote já era conhecida em outras cidades holandesas como Zutphen, Amsterdã, Delft, Gouda, Haarlem, Kampen, Leiden e Zwolle.[9]

Em 1387, posteriormente à morte do fundador do movimento devocional, Florent Radewijns converteu a casa vicarial que possuía, em Windesheim, em uma comunidade masculina. A partir disso, os contemporâneos de Groote iniciaram um processo de expansão da devotio moderna para levar o movimento para outras regiões, como a Alemanha, França e Suíça.[10] Especula-se que no auge do movimento havia cerca de 80 casas.[7]

No final do século XIV e início do século XV houve outros movimentos no cenário religioso europeu; nessa época, na Inglaterra, foi desencadeado o Lollardismo.[11]

Características

A Devotio moderna é caracterizada pelo foco na vida interior pessoal e na oração, era menos coletiva do que a devoção monástica tradicional e menos sensível ao sagrado. Suas missas eram curtas e a associação entre os fiéis se dava através da oração individual, nem sempre ligada aos temas litúrgicos. Assim, o contato com Cristo deixa de ser baseado em regras litúrgicas e passa a ser direto, através do direcionamento da consciência. Ao aproximar Cristo e afastar a liturgia, esta nova devoção reduz o lugar na igreja no contato com o sagrado. A Devotio moderna era um meio de reagir à crise da Igreja pelo esvaziamento, tendo por base a mística e espiritualidade internas do homem comum.[12]

De Imitatione Christi por Thomas a Kempis

Obras Influenciadoras

A obra De Imitatione Christi (Imitação de Cristo [13]), escrita por Tomás de Kempis em meados do século XV, foi utilizada como modelo para a criação de um conjunto de práticas e ideais no qual os grupos religiosos (Comunidades irmãos e irmãs de vida comum) deveriam seguir durante o período conhecido como Devotio Moderna. [14] Nessas comunidades, seus membros eram instruídos e guiados pelos ideais apostólicos do cristianismo primitivo de viver da abnegação dos pecados mundanos, libertando-se dos bens materiais, e buscar a vida espiritual. [14]

Apesar da Imitação de Cristo ter tido um destaque no movimento, a obra está inserida em meio a outros manuais de exercitação espiritual - uma tendência do período - encontrados no final da Idade Média e no início da Idade Moderna, como Vita Christi (Vida de Cristo) de Ludolfo da Saxônia; as produções do Mestre Eckhart; De spiritualibus ascensionibus (Ascensões Espirituais) de Gerard Zerbolt von Zutphen; e o antecessor direto da Imitatio Christi, Tractatulus Devotus (Pequeno Tratado do Devoto) de Florent Radewijns, tutor e mestre de Tomás de Kempis. [15]

Principais Representantes e colaborações

Gehard Groot (1340 – 1384) foi fundador da Irmãos da Vida Comum, onde se espalharam por toda a Europa e contribuíram para a educação do ensino fundamental e médio.[16] O grupo se preocupava em copiar os manuscritos, imprimi-los e traduzi-los para os idiomas locais.[carece de fontes?]

Por sua vez, Florentius Radewyns (1350-1400) foi um teólogo católico romano e sucessor de Groot. Quando retornou da Universidade de Praga, ouviu uma das pregações de Gehard e tornaram-se amigos em 1380, sendo seu sucessor e co-fundador da Irmãos da Vida Comum. Chegando até acompanhar seu mestre em suas viagens.[17]

Junto de seis Irmãos, entre eles Tomás de Kempis, fundou a congregação de Windesheim, em 1386, por conselho de Groot, pois precisavam fundar uma Ordem aprovada para ter credibilidade. Em 1386, ergueram cabanas para um mosteiro temporário e posteriormente, construíram um mosteiro e uma igreja, consagrados por Hubert Leberne, bispo titular de Hipona. Eles prezavam pela hospitalidade em seu apostolado. Porém, mais tarde, quando o calvinismo surgiu, o apoio dos cânones diminuiu e a Ordem foi desfeita gradativamente.[carece de fontes?]

Já Tomás de Kempis (1380-1471) estudou na matriz dos Irmãos de Vida Comum, onde foi observado que possuía excelente habilidade em copiar manuscritos.[18] Ele escreveu o livro A Imitação de Cristo, onde auxilia na oração e práticas devocionais pessoais. É um dos livros mais representativos do movimento Devotio Moderna.[19]

Influências

Dentre as inúmeras influências do movimento podemos citar a maior ascendência de ordens de clausura femininas em Portugal intrinsecamente afetadas pelo movimento[20], igualmente tendo grande influência para a criação por leigos do famoso grupo "Irmãos da vida comum" que gerou a renovação da Ordem Agostiniana, reorganizando as comunidades locais que respeitavam todas as vocações da população no território holandês.[21]

Na Itália por influência leiga foi fundado o Oratório do Amor Divino no século XV que buscava maior importância nas orações e santificações pessoais para uma vida de ajuda comunitária[22] .

Nesta época pré-reforma católica a influência da Devotio Moderna se limitava apenas a Holanda, Sacro Império e França[23] onde devocionistas ficaram conhecidos por participarem de movimentos calmos, sempre de postura curvada, com grandes sorrisos para a comunidade e por estarem sempre chorando nas missas.[24]

Posteriormente esses movimentos humanistas cativaram alguns bispos como Gian Matteo Giberti, bispo de Verona, que participou do Concílio de Trento. Tendo a igreja mudado intrinsecamente após o mesmo com grandes bases que eram defendidas pela Devotio Moderna.[25]

Com tudo isso a Devotio Moderna foi parte integrante nas transformações sociais da época, tendo influenciado Jesuítas e Protestantes, já que buscavam uma maior participação de leigos na religião, os quais participariam ainda mais de peregrinações por exemplo, reforçando ainda mais a ideia.[26] Já que a maior contribuição da Devocio Moderna é a criação de uma religião católica onde as celebrações são muito mais ligadas a sensibilidade do que racionalismo, inclusive em catequeses.[26] Assim como a crença que Deus estava presente nas virtudes cotidianas da população[21].

Embora com grandes virtudes, todo esse movimento causou grandes críticas internas no seio da Igreja como a do tratado "diversis diaboli tentationibus" onde o autor Johannes Gerson defendia que Satanás criou os sentimentos de realização espiritual (defendidos por influenciados da Devotio Moderna) para os fiéis amarem a Jesus apenas pela realização dos sentimentos e não pelo que ele realmente representa, condenando assim as almas ao inferno.[27]

Referências

Bibliografia

BIONDI, Franco. A. Traduzindo a Devotio Moderna: De Imitatione Christi e os “Irmãos e Irmãs de vida comum”. História e Democracia - Precisamos falar sobre isso. ANPUH-SP, 2018.

CHAUNU, Pierre. O tempo das reformas (1250-1550): A crise da cristandade. Edições 70, 1993.

DELUMEAU, Jean. El Catolicismo de Lutero a Voltaire. Barcelona: Labor, 1973.

ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2009.

HUIZINGA, Johan. O outono da ldade Média. São Paulo; Cosac Naifi, 4a Ed, 2015. ISBN 978-85-7503-756-0

KNOWLES, David OBOLENSKY, Dimitri. Nova História da Igreja II: A Idade Média (600-1500). Petrópolis; Editora Vozes, 4a Ed, 1973.

KEMPIS, Tomás. Imitação de Cristo: com reflexões e orações de São Francisco de Sales. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2014.

SARAIVA, F. Dicionário latino-português. Belo Horizonte:Garnier, 1993.

Ver também

Gerhard Groot

Tomás de Kempis

A Imitação de Cristo

Humanismo cristão

Cristianismo primitivo

Reforma Protestante

Reforma católica