Marcela Gracia Ibeas e Elisa Sánchez Loriga

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Marcela Gracia Ibeas e Elisa Sánchez Loriga protagonizaram a primeira tentativa de casamento entre pessoas do mesmo sexo em Espanha de que se tem registo.[1] O casamento ocorreu a 8 de junho de 1901, na Corunha.[2]

Marcela e Elisa depois do casamento, fotografadas por José Sellier

Para tal, Elisa teve que adoptar uma identidade masculina, Mario Sánchez, tendo sido assim identificada na acta de casamento.[2][3] Este foi celebrado pela Igreja Católica, na paróquia de San Jorge da mesma cidade.[2][4] Quando o padre que oficiou o casamento descobriu que foi enganado, foram denunciadas e perseguidas. A notícia do matrimónio foi difundida por toda a Espanha, Portugal e por vários países europeus.

Este acontecimento ocorreu mais de cem anos antes da aprovação da lei que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Espanha.

Primeiro encontro, separação e reencontro

Marcela e Elisa conheceram-se em 1885 na Escola Normal de Professoras da Corunha, onde estudavam para se tornarem futuras professoras de ensino primário.[1] Marcela tinha dezoito anos quando começou a estudar e Elisa, que trabalhava na escola, tinha vinte e três e já tinha concluído os mesmos estudos.[5][6] A sua amizade deu lugar a uma relação mais íntima.[7]

O pai de Marcela, o capitão do Exército Manuel Gracia, ao ver que a amizade entre as duas passava para além do socialmente permitido, com receio de um possível escândalo, enviou a sua filha para Madrid.[6][1]

Quando Marcela concluiu os seus estudos em Madrid regressou à Galiza onde foi destacada como professora estagiária no Couso, uma pequena paróquia de Coristanco, na Corunha. Entretanto Marcela foi destacada na aldeia de Calo, em Vimianzo, como professora sénior.[1] A partir deste momento reencontraram-se e decidiram ir viver juntas em Calo.[1]

Em 1889, Marcela foi dar aulas para Dumbría, tendo que instalar-se na casa da escola, enquanto Elisa permaneceu em Calo. Ainda assim, mantiveram o contacto, já que Elisa viajava até a localidade onde residia Marcela.[1]

Identidade falsa e casamento

Depois de mais de uma década de convivência em diferentes lugares da província da Corunha, em 1901 decidem casar-se.

Para tal, Elisa adotou um aspecto masculino e o nome de Mario Sánchez (com o qual se apresentou na Escola Normal para solicitar um certificado de estudos). Inventou uma identidade e um passado falsos,[2] tendo como referência um primo que tinha falecido num naufrágio,[1] dizendo que tinha passado a sua infância em Londres e que o seu pai era ateu.[1] Considerando esta última informação, o padre Víctor Cortiella, pároco de San Jorge na Corunha, batizou Mario a 26 de maio de 1901, dia em que recebeu também a sua primeira comunhão. A 8 de junho de 1901, às sete e meia da manhã, casaram-se Marcela e Mario (que na realidade era Elisa).[2] A cerimónia de casamento foi curta, os padrinhos atestaram a sua validade e o casal passou a noite de núpcias na pensão Corcubión, na rua de San Andrés.[3][8]

Graffiti de Marcela e Elisa

Consequências

O casal, que a partir da descoberta pelo padre passou a ser conhecido como o "casal sem homem",[8] apareceu nas capas de jornais da Galiza e de Madrid. Como consequência, perderam o seu trabalho.[8]

Para que pudesse excomungá-las, o pároco pediu a um médico que examinasse Mario para comprovar se era um homem ou uma mulher.[3] Mario acedeu e, quando o doutor emitiu o seu veredicto, tentou fazer-se passar por hermafrodita, uma condição que lhe tinha sido diagnosticada em Londres.[3]

A Guarda Civil espanhola perseguiu-as até a localidade de Dumbría, onde trabalhavam como professoras. Elisa e Marcela fugiram até ao Porto, em Portugal,[8] onde Marcela mudou o seu nome para Pepe e viveram como um casal por dois meses.[6]

A 1 de julho de 1901, o juiz Pedro Calvo Camina processou-as e emitiu um mandado de busca e prisão.[9] A 18 de agosto, a pedido da polícia espanhola, foram detidas e encarceradas. Treze dias depois foram libertadas, devido a um movimento solidário liderado por ativistas portuguesas que exigiu a sua liberdade e que angariaram fundos para ajudá-las economicamente.[10]

A 6 de janeiro de 1902, Elisa deu à luz uma criança, que chamaram de Maria Enriqueta.[11]

Apesar do movimento solidário e de Portugal as ter absolvido das acusações, o mandado de busca e prisão espanhol foi aceito.[9] Porém, antes de serem extraditadas, conseguiram fugir num barco para a Argentina, onde, a partir de 1904, se deixa de ter mais informações sobre Elisa e Marcela.

O pouco que se conhece deste período é que trabalharam como criadas durante um ano, mas o salário não dava para manter uma família, pelo que tiveram que recorrer a outras estratégias.[5] Devido a isto, Elisa Sánchez Loriga (que neste país se identificava como María Sánchez Loriga) casou-se em 1903 com o dinamarquês Christian Jensen, como estratégia para se estabelecer numa casa onde posteriormente pudessem chegar Marcela e Maria Enriqueta (com a identidade de Carmen), como se fossem a sua irmã e sobrinha.[10]

Com o tempo, Jensen foi suspeitando da situação, o que o levou a investigar e descobrir que María e Carmen eram, na verdade, Elisa e Marcela. Jensen tentou anular o casamento, mas sem sucesso, tendo continuado válido.[12]

Referências