Guerra Gótica (249–253)

A Guerra Gótica de 249-253 foi uma série de batalhas e saques empreendidos pelos godos e seus aliados no leste do Império Romano, mais especificamente na região dos Bálcãs, entre 248/249 e 253. Com o cessar dos tributos até então pagos as tribos do além-Danúbio pelo imperador romano Filipe, o Árabe (r. 244–249), os godos e seus aliados liderados pelo rei Ostrogoda e seus subcomandantes Argedo e Gunderico dirigiram-se à fronteira romana e iniciaram uma série de ataques, inclusive contra a fortificada cidade de Marcianópolis na Trácia. Depois disso, partiram com o butim de guerra.

Guerra Gótica
Guerras Góticas
Data248/249–253
LocalBálcãs
DesfechoVitória romana
Beligerantes
Império Romano
Godos
Aliados germano-sármatas
Desertores romanos
Comandantes
Filipe, o Árabe
Décio
Treboniano Galo
Emiliano
Ostrogoda
Argedo
Gunderico
Cniva

Continuando as invasões, em 250 os carpos atacaram a Dácia e Cniva, comandando vários grupos de godos e demais povos aliados, venceu duas batalhas importantes, numa das quais inclusive conseguindo matar Décio (r. 249–251) e seu coimperador Herênio Etrusco. O sucessor imperial Treboniano Galo (r. 251–253) prometeu o pagamento de tributo anual caso os invasores partissem. A promessa foi descumprida, incitando novos ataques em 253, embora na ocasião o governador e futuro imperador Emiliano (r. 253) tenha conseguido impedi-los.

Antecedentes

Sestércio de Filipe, o Árabe (r. 244–249)

Dois fatores contribuíram para o crescente descontentamento na área ao norte do Danúbio no século III que culminou na eclosão dos conflitos. O primeiro e mais importante era que, desde o tempo de Alexandre Severo (r. 222–235), havia contínuos movimentos de novos povos próximo à fronteira danúbia.[1] Nessa época, relata-se que as cidades de Ólbia e Tiras, antigas colônias gregas na atual Ucrânia, foram destruídas por guerreiros de um novo e poderoso povo belicoso que para lá se dirigiu. Posteriormente, na primavera de 238, grupos desses novos guerreiros, genericamente referidos como citas pelas fontes,[2] atravessaram as terras dos carpos dácios e invadiram a Mésia Inferior, onde capturaram e saquearam a cidade de Istro.[3]

Como segunda causa há as ações do imperador Filipe, o Árabe (r. 244–249) que, encorajado por seus sucessos políticos, e sobretudo com relação ao Império Sassânida de Sapor I (r. 240/242–272),[4] decidiu revisar a situação das tribos germânicas e recusou-se, desde 246, a continuar pagando os tributos anuais decididos em 238 por Maximino Trácio (r. 235–238) às tribos agressivas da região,[5] bem como cancelou os acordos antes selados.[6]

Invasões de Ostrogoda

Antoniniano de Pacaciano (r. 248)

Segundo a Gética de Jordanes, como consequência do cessar dos tributos, no final de 248, Ostrogoda, rei dos ostrogodos e visigodos, cruzou o Danúbio com um exército coligado de godos e tribos aliadas germano-sármatas (taifalos, peucinos, asdingos e carpos), que o autor afirmou ter 300 mil soldados,[a] e liderou a invasão na Mésia e Trácia.[7] Paralelamente, Pacaciano (r. 248) foi feito imperador por suas tropas estacionadas perto ao Danúbio. Jordanes afirma que a invasão gótica de Ostrogoda foi bem-sucedida devido à negligência dos soldados estacionados na fronteira danúbia.[8]

Para lidar com a situação caótica, Filipe nomeou o senador Décio como comandante das legiões estacionadas na Panônia e Mésia.[9] [10] Ao chegar, segundo Jordanes, Décio viu-se incapaz de deter os invasores e preferiu liberar seus soldados do serviço militar.[8] Os soldados, revoltados, dirigiram-se para Ostrogoda pedindo proteção, que foi concedida, e eles foram incorporados ao exército invasor. Os subcomandantes góticos de Ostrogoda, chamados Argedo e Gunderico, foram enviados para devastar novamente a Mésia[3] e dirigiram-se à cidade fortificada de Marcianópolis na Trácia. Após um longo cerco, conseguiram obrigar os habitantes a dar-lhes dinheiro como alternativa ao ataque.[11] Depois disso, Ostrogoda retirou-se para seu país com o seu butim.[12]

Áureo de Décio (r. 249–251)
Diagramação da invasão de 250-251

Ascensão de Décio e invasão de Cniva

Na primavera de 249, Décio, ainda no comando das legiões panônias e mésias, foi aclamado imperador pelas tropas e decidiu marchar contra Roma para depor Filipe. O vácuo militar resultante inevitavelmente atraiu mais invasões.[13][6] Em 250, carpos adentram a Dácia, o leste da Mésia Superior e oeste da Mésia Inferior.[14] Ao mesmo tempo, o gótico Cniva,[15] sucessor de Ostrogoda, organizou as suas forças e também atacou os romanos. Suas forças aparentemente incluíam godos, taifalos, vândalos e até alguns veteranos renegados romanos.[8] Dado a descrição dos "citas" fornecido por Zósimo, é quase certo que havia elementos sármatas, como os roxolanos.[16]

Cniva dividiu seu exército em duas partes e enviou ca. 20 mil de seus soldados para atacar a Mésia, à época desprotegida,[b] e então Filipópolis (atual Plovedive, na Bulgária), enquanto liderou 70 000 homens para Éuscia (Nova). Cniva foi empurrado dali pelo general Treboniano Galo, e então dirigiu-se para Nicópolis. Com a aproximação de Décio, decidiu dirigir-se às regiões do monte Hemo e então para Filipópolis.[17]

Com a partida de Cniva, Décio cruzou o monte Hemo (talvez através do passo de Xipeca) e acampou em Beroia (atual Stara Zagora), onde foi mais tarde derrotado num ataque surpresa do rei gótico. Seu exército foi aniquilado e ele foi obrigado a retornar para Éuscia, onde encontrou-se com o general Galo que estava estacionado com uma grande força para proteger a fronteira. Ali, Décio agrupou o exército dessa região, bem como aquele de Esco, e preparou-se para novos conflitos.[18] Paralelamente, Cniva sitiou Filipópolis que caiu no verão após longo cerco. Depois do saque, Cniva aliou-se com o governador local Prisco contra os romanos.[19]

O saque de Filipópolis incitou o imperador a agir. Após interceptar partidários germânicos e reparar as fortificações danúbias, dirigiu-se contra os godos, que foram cercados pelas forças romanas numericamente superiores enquanto tentavam retirar-se. Décio atacou-os próximo da pequena cidade chamada Fórum Terebrônio ou Abrito (atual Razgrado). O exército romano foi pego num pântano quando tentou avançar, e tanto o imperador quanto seu filho Herênio Etrusco foram mortos em combate.[20][21]

Ultima invasão e rescaldo

Antoniniano de Treboniano Galo (r. 251–253)
Antoniniano de Emiliano (r. 253)

No rescaldo de Abrito, as notícias do desastre alcançaram as legiões remanescentes do Danúbio, que proclamaram o seu comandante Treboniano Galo (r. 251–253) como imperador.[22] Ele permitiu que Cniva partisse com seus espólios e prometeu pagar tributo para que não invadisse os domínios romanos.[20][21] Apesar da promessa, o governador da Mésia e Panônia e futuro imperador Emiliano (r. 253) recusou-se a pagar. Isso, atrelado a Praga de Cipriano (251–270), uma pandemia de varíola que devastou ca. 15-30% da população imperial,[23][24] levou a uma nova invasão de Cniva na Mésia e Trácia em 253. Emiliano com sucesso conseguiu atacar repentinamente os invasores, que foram expulsos, e perseguiu-os para além do Danúbio, realizando um ataque-relâmpago em seus territórios e pondo fim à ameaça.[25]

Emiliano recuperou vastas quantidades de butim e libertou milhares de cidadãos romanos capturados.[26] Quiçá entre eles estava Cneu Valério Serapião, que dedicou um altar não datável encontrado em Ápulo (atual Alba Júlia), na Dácia romana, agradecendo seu resgate dos carpos (liberatus a Carpis).[27] Após esses eventos a fronteira permaneceu estável por alguns anos. Aproveitando a instabilidade no império, nos anos 256-7 uma coalizão de tribos bárbaras liderada pelos carpos incendiou a Mésia, saqueou a Trácia e sem sucesso sitiou Salonica na Macedônia.[28]

Nos anos seguintes novas invasões foram encabeçadas pelas tribos hostis da bacia danúbia, sendo a maior delas a gótica de 267-268. Nela, os godos penetraram o mar Egeu, invadindo várias regiões insulares e costeiras, aportaram na Macedônia e saquearam a Trácia até serem parados e derrotados na Batalha de Naísso de 268/269 por Galiano (r. 253–268) ou Cláudio II (r. 268–270).[29]

Notas

Referências

Bibliografia