Maria Lucília Moita
Maria Lucília Anastácio Moita Tavares Simão (9 Agosto 1928 – 22 Agosto 2011), conhecida por Maria Lucília Moita, foi uma pintora e poetisa portuguesa ligada ao Naturalismo. A sua longa carreira de mais de 60 anos de pintura e poesia é marcada por várias fases de descoberta e introspecção[1][2], desde o naturalismo da primeira metade do século XX até ao seu próprio paisagismo interior do final do século.[3]Tem um Núcleo de Pintura dedicado à sua obra no Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes.[4][5]
Maria Lucília Moita | |
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Autorretrato (1994) | |
Nascimento | 09 de agosto de 1928 Alcanena, Portugal |
Morte | 22 de agosto de 2011 (83 anos) Abrantes, Portugal |
Nacionalidade | Portuguesa |
Movimento(s) | Naturalismo |
Assinatura | |
Primeiros Anos
Maria Lucilia Moita nasceu em Alcanena, na casa do Oiteiro, onde já nascera também o seu pai. A própria recorda a casa de menina na sua publicação aonde me leva a memória:
"A casa era ao cimo da vila, para lá da priaça onde tinha sido a igreja que queimaram pela República. (...) Entrava-se e saía-se sempre pelo portão que abria para um quintalinho onde [a pintora] às vezes brincava. Subia-se por uma escada de pedra que desembocava na varanda coberta."
aonde me leva a memória (1992)
Cresceu rodeada de cavalos, que sempre houve nas cocheiras, montava-os e retratava-os, recorda a sua sensibilidade à beleza animal, e acompanha o pai às touradas improvisadas das redondezas.[6]
“Andar no corso em plena feira era um tempo de beleza – cavalos, carruagens e gentes com aparato, imponência... mas do que eu gostava mesmo era de galopar pelos atalhos da minha terra, a saia de amazona ao vento, sem chapéu nem jaqueta. (...) Montar, pintar... era sair do fecho dos meus dias, contactar a natureza, a rusticidade das aldeias.”
aonde me leva a memória (1992)
Desde muito cedo mostra o seu interesse pela pintura e tem como mestre o pintor João Reis, entre 1944 e 1946. Durante esta fase e até 1951 dedicava muito tempo à cópia e aprendizagem de pintores como Malhoa, Carlos Reis, Silva Porto ou Columbano. Frequentava a casa do Dr. Anástacio Gonçalves, seu primo, onde ia frequentemente pintar ou mostrar as suas ultimas produções, e de quem recebia criticas e sugestões.[3]
Em 1948, por sugestão do mestre enviou um quadro “Casas Brancas” para o Salão de Primavera da Sociedade Nacional de Belas Artes. O crítico João Portela escrevia então no Diário de Lisboa que a pintura de Maria Lucília Moita era um misto de “sensibilidade de cor, finura poética e romantismo estático de beleza que cativa a imaginação” (D.L 18 de Abril 1950)[7]. No ano seguinte, o “beco da liberdade” (Nazaré) teve uma menção honrosa.[6]
Percurso Artístico
A pintura aprendida
A pintura que aprendeu, sob o signo dos mestres do Naturalismo português da primeira metade do século XX, e em particular as aulas com o pintor João Reis e a orientação de seu primo, o médico e coleccionador Anastácio Gonçalves, valeu-lhe mais tarde o epíteto de “a última grande naturalista portuguesa”.[3][8]
Reacção
Segue-se uma revolta contra a pintura aprendida, muito visivel numa exposição individual em 1960, na galeria do Diário de Noticias. A artista empunhou a espátula, que nunca viu os seus mestres usar, aproveitou massa de vidraceiro, e anilinas emprestadas dos filhos. Esta foi uma fase marcada pelo rompimento com os seus companheiros do naturalismo, mas não tão radical como as correntes modernistas do inicio dos anos 60.[3][5][10]
Nesta época regista-se um abandono temporário da pintura em favor da poesia, que sempre a acompanhará e que concorre para a publicação do seu primeiro livro de poemas Tempo Circulado, em 1967[11]. Nele podemos encontrar as palavras de transformação que marcariam este período da sua produção artistica:[9]
Gestos de matéria áspera
Areias, cal e água
Lodo branco
Liquefacções de pedra
Construir, construir
A marcar mundoTempo Circulado (1967)
Orgânico
Neste percurso de expressividade poética e de libertação interior resulta numa abstração que durará cerca de dois anos, marcada fortemente pelo clima de mudança trazido pelo 25 de Abril de 1974. Esta fase da sua obra caracteriza-se pela desintegração figural e pelo organicismo plástico, cujas formas sugestivas de “tecidos celulares” é baptizada por Lima de Freitas como “orgânico”.[3]
Paisagismo Interior
Maria Lucilia Moita encontra a sua própria “escrita” num novo tipo de paisagismo, cada vez mais interior. É através desta paisagem interior que a pintora nos apresenta (e convida) à “comunhão multifacetada com o Mundo, um mundo que a pintora insiste em querer ver e ler como um poema.”[3][12]
Nos seus últimos anos é visível a construção dos quadros a óleo a partir do carvão, sendo muitas vezes mantido ou simulado na cor e pincelada[5].
“Maria Lucília Moita tinha o caminho aberto para regressar às origens, ou seja, à reinvenção de vastas espacialidades e subtis atmosferas quase sempre de acentos místicos,com que não só restaurou a ocupação da totalidade da tela,como vimos, mas com que reintegrou (...) o seu itinerário pictórico.” [3]
“desde os anos setenta e oitenta que, no seu inédito Diário, em que muitas páginas são autênticas “conversas com Deus”, se sucedem os fragmentos de poemas e as prosas poéticas que sugerem uma perfeita homologia entre a sua poesia e a sua pintura.”[3]
Meu mar
Meu abismo profundo
Luz a repetir, a alongar
Meu mar
Meu dizer infinitoDo Diario (inédito)
Exposições e Prémios
Desde 1948 que envia obras para expor colectivamente nos Salões de Primavera e Inverno da Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA), em Lisboa, até aos anos 60. [3]Em 1958 organiza a sua primeira exposição individual, na SNBA.[13]
Durante toda a segunda metade do século XX realizou exposições individuais, em que se destacam
- Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa (1958)
- Galeria do Diário de Notícias, em Lisboa (1960)
- Museu Distrital de Santarém (1978)
- Fundação Eng. António de Almeida no Porto (1981)
- Museu Machado de Castro, em Coimbra (1982)
- Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha (1982)
- Centro Unesco do Porto (1985)
- Câmara Municipal de Alcanena (1986)
- Casa da Cultura, em Alcanena (1992)
- Centro Cultural de Belém, em Lisboa (1996)
- Biblioteca Calouste Gulbenkian, em Ponte de Sôr (1996)
- Convento dos Cardaes, em Lisboa (2000)
- Galeria Municipal Verney, em Oeiras (2001)
- Casa do Bocage (2003)[3]
Recebeu as seguintes distinções:
- a medalha de ouro de mérito municipal pela Câmara Municipal de Alcanena, em 1989
- a medalha de mérito cultural pela Câmara Municipal de Abrantes, em 1996[3]
Acção Social
Num espaço contíguo ao seu ateliê, na sua casa em Abrantes, existe uma pequena galeria onde recebia diversos grupos da comunidade – desde escolas a centros de dia – e a quem expunha e explicava longamente a sua obra, partilhando a sua sensibilidade artistica e poética.[3][2][12]
Em janeiro de 2024 a familia da pintora reabriu o seu ateliê, conservado intacto, retomando as visitas em parceria com o Museu Ibérico de Arqueologia e Arte.[14]
Morte e legado
Maria Lucília Moita cedeu uma grande parte da sua obra ao município de Abrantes, que integrou o núcleo de pintura com o seu nome, instalado no Museu Ibérico de Arqueologia e Arte. Desta doação fazem parte quadros a óleo e desenhos a carvão seleccionados e organizados pela pintora e que enquadram a sua vida e obra. [2][13]
O Municipio de Abrantes deu o nome da pintora à Escola Básica Maria Lucilia Moita, que pertence ao Agrupamento de Escolas de Abrantes.[15][16] O Municipio de Alcanena atribui o seu nome à galeria municipal de arte.
Obra
Pinturas e Desenhos
A sua obra está representada em coleções particulares nacionais e estrangeiras e em diversos museus nacionais:
- Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa[17]
- Museu do Chiado, em Lisboa
- Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves, em Lisboa
- Fundação Eng. António de Almeida, no Porto
- Centro Unesco do Porto
- Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha
- Museu da Nazaré
- Galeria de Desenho de Estremoz
- Museu Martins Correia, na Golegã
- Museu Municipal de Torres Novas
- Museu de Setúbal
- Núcleo de Arte Contemporânea do Museu Municipal de Tomar[3][13][12]
Livros
- Tempo circulado. Braga: Editora Pax, 1967[11]
- Apertado mundo de dentro[18]. Torres Novas: Editora Almondina, 1971[19]
- A segurar o tempo. Lisboa: Tipografia Henrique Torres, imp. 1974[20]
- Aonde me leva a memória. Alcanena: Câmara Municipal, 1992[6]
- A imagem e a palavra. No tempo. (em colaboração com Lima de Freitas) Abrantes: Câmara Municipal, 1993[3][2]