Mozi
Mozi (chinês: 墨子, pinyin: Mòzǐ, Wade–Giles: Mo Tzu), também latinizado como Micius[1] (do original Mo Di, 墨翟) (cerca de 470 a.C. - cerca de 391 a.C.), foi um filósofo chinês do período das cem escolas de pensamento, durante o período dos Reinos Combatentes, antes da unificação da China.[carece de fontes]
墨翟 Mozi | |
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Uma representação hipotética de Mozi. | |
Conhecido(a) por | fundador do moísmo |
Nascimento | cerca de 470 a.C. na província de Shandong, na China |
Morte | cerca de 391 a.C. (79 anos) a.C. |
Nacionalidade | chinês |
Ocupação | Filósofo |
Nascido no que hoje é Tengzhou, na província de Shandong, foi o fundador do moísmo, que se contrapunha ao confucionismo e ao taoismo. Sua filosofia enfatizava a autocontenção, a autorreflexão e autenticidade ao invés de obediência aos rituais.[2] Durante o período dos Reinos Combatentes, o moísmo foi ativamente desenvolvido e praticado em muitos estados, mas caiu em desgraça com a ascensão do legalismo, promovido pela Dinastia Qin, que chegara ao poder. Neste período, os clássicos moístas foram destruídos por ordem do imperador Qin Shi Huang, supostamente queimando centenas de livros e enterrando vivos os estudiosos da filosofia moísta. A importância desta filosofia caiu em favorecimento ao confucionismo, que se tornou a escola filosófica dominante durante a Dinastia Han, quando o moísmo quase desapareceu.[3]
Nome
Muito se discute sobre o nome de Mozi. Acredita-se que o nome "Mo" tenha sido herdado de um ancestral, senhor Guzhu (chinês: 孤竹君, pinyin: Gūzhú Jūn), um descendente de Shennong, famoso imperador. Os descendentes do senhor Guzhu adotavam, como nome do clã, "Motai" (chinês: 墨胎, pinyin: Mòtāi), posteriormente encurtado para "Mo". Mas alguns estudiosos argumentam que "Mo", na verdade, não é o nome de clã de Mozi, já que o nome de sua família e clã não são encontrados em documentos do Período das Primaveras e Outonos e dos Reinos Combatentes.[4][5]
Como "Mo" também é o nome da escola Moísta, ele pode ter derivado do nome da pena capital usualmente aplicada em escravos, quando se tatuava a testa dos criminosos com o caracter para "tinta", que é "mo". Era um sinal que identificava os moístas quando foram perseguidos. O nome verdadeiro do clã de Mozi não é conhecido. Pode ser que ele nem mesmo tenha tido um nome de clã ou de família, por ter nascido em uma classe baixa da sociedade. Na antiguidade chinesa, a grande maioria do povo chinês não tinha relação com famílias aristocráticas, portanto não tinha direito a sobrenomes e nomes de clãs.[4]
Uma possível fonte para o nome de Mozi pode ter a ver com o tom de sua pele, muito escuro quando comparado aos outros chineses, como descrito em "Estima pela Justiça", texto atribuído a Mozi.[4]
Vida pessoal
Estudiosos acreditam que Mozi eram membro de uma classe inferior de artesãos que conseguiu ascender na sociedade para um posto de oficial. Sabe-se que seus pais não se gostavam e que lhe dispensaram pouco amor durante a vida. Mozi era do estado de Lu, hoje Tengzhou, na província de Shandong.[6] Como Confúcio, Mozi era conhecido por manter uma escola para aqueles que desejavam tornar-se funcionários servindo nos diferentes tribunais governantes dos Reinos Combatentes.[5]
Mozi provavelmente foi carpinteiro, sendo habilidoso em criar mecanismos como relógios e escadas móveis usadas para sitiar cidades com muros.[2] Mesmo não tendo uma posição oficial no governo, ele era consultado por governantes a respeito de fortificação e armas de sítio. Mozi estudou os ensinamentos de Confúcio quando jovem, mas acredita-se que tenha se revoltado com sua filosofia fatalista e que enfatizava demais as elaboradas celebrações e rituais em detrimento da qualidade de vida e produtividade do povo.[5] Ao se contrapor a Confúcio, Mozi conseguiu agregar seguidores que também rivalizavam com os ensinamentos confucionistas. Eram basicamente artesãos, pedreiros, ferreiros, gente simples que se organizou de maneira disciplinada ao redor de Mozi.[5][6]
Acredita-se que ele passou a ser visto como um tipo de herói para muitos de seus seguidores. Ele ensinava a fazer o bem ao próximo, sem se preocupar com ganhos pessoais com a própria vida. Mêncio, discípulo de Confúcio, chegou a escrever que o amor de Mozi era por toda a humanidade. Enquanto algo pudesse beneficiar a todos, Mozi o seguiria, mesmo que se ferisse. Zhang Tai Yan teria dito que ele era ainda mais virtuoso que Confúcio e Laozi.[5] Mozi viajou para regiões em crise e pelas paisagens arrasadas dos Reinos Combatentes, tentando dissuadir os líderes de seus planos de conquista.[6]
Filosofia
Os principais ensinamentos de Mozi enfatizavam a autorreflexão e autenticidade, ao invés da cega obediência aos rituais elaborados. Ele observou que as pessoas aprendem sobre o mundo através da adversidade. Ao refletir sobre o sucesso e o fracasso, uma pessoa obtém o verdadeiro autoconhecimento ao invés de apenas se conformar com rituais. Mozi exaltava as pessoas que levavam uma vida simples, asceta, de renúncia à extravagância material e espiritual.[7]
Tal como Confúcio, Mozi idealizava a Dinastia Xia e os antigos personagens da mitologia chinesa, mas criticava as crenças confucionistas de que a vida moderna deveria ser padronizada seguindo os preceitos dos antigos, pois o que pensamos como "antigo" era na verdade o mais arrojado de sua época e ele não deveria servir de padrão para a inovação presente.[7][8] Mozi acreditava que as pessoas eram capazes de mudar as circunstâncias e direcionar suas próprias vidas. E podiam fazer isso se aplicassem seus sentidos para observar o mundo, julgar objetos e eventos por suas causas, funções e bases históricas.[9] Este era seu método de três vias, recomendado para testar a verdade ou não das afirmações. Seus seguidores posteriormente expandiram o método para a Escola dos Nomes.[6][7]
Amor universal
Mozi tentou substituir o que ele considerada uma longa relação de apego dos chineses com o conceito de estruturas familiares e de clãs pelo conceito de "cuidado imparcial" ou "amor universal" (兼愛, jiān ài).[6] Com isso, ele argumentava diretamente contra os confucionistas, que achavam que o cuidado com os outros devia variar de pessoa e de nível. Mozi, ao contrário, argumentava que as pessoas, por princípios, deveriam cuidar e amar uns aos outros igualmente, uma noção que filósofos de outras escolas consideraram um absurdo, interpretando as afirmações de Mozi como falta de cuidado com parentes e a família.[7]
O ato de amar e cuidar de todos deve começar com aquele que está mais próximo.[10] O princípio fundamental é que a benevolência, bem como a malevolência, é necessária, e que uma será tratada enquanto tratamos uns aos outros. Enquanto cuidamos dos familiares do outro, alguém está cuidando de nossos familiares. Como ele diz no Livro das Odes:
Mozi diferenciou "intenção" de "realidade", colocando, assim, uma importância central na vontade de amar, embora, na prática, possa muito bem ser impossível trazer benefícios a todos.[7] A benevolência, para ele, era natural do ser humano, "assim como o fogo vai para cima e a água para baixo", provendo as pessoas de uma posição de autoridade que ilustra a benevolência em suas vidas. O amor universal, segundo Mozi, é prático.[6][7]
O amor universal defendido por Mozi tem afinidades com o amor universal (ágape) que viria ser pregado por Jesus Cristo cinco séculos mais tarde na Palestina.
Mozi acreditava no poder de espíritos e fantasmas, apesar de acreditar-se que ele tenha os venerado pragmaticamente. Em seus ensinamentos, chegou a dizer que, mesmo que não existissem, encontros comunitários por causa da oferta de sacrifício desempenhavam um papel no fortalecimento dos laços sociais. Mozi acreditava que o Paraíso não era a estrutura mística e amoral dos Taoistas, e sim um lugar benevolente, cuja força moral beneficiava os bons e punia os maus e que o amor universal era uma maneira de chegar ao Paraíso.
Não havia exceções para os governantes: os gastos com luxo da nobreza, benefícios pessoais, os impostos e, especialmente, as guerras deveriam ser evitados por serem contraproducentes e levar à ruína dos Estados e à miséria do povo. Mozi acusa os governantes:
O moísta levado para o utilitarismo extremo nos leva a questionar o próprio princípio do prazer. Neste quadro, as artes e a música são problemáticas, uma vez que são, em si mesmas, sua própria justificação:
Mozi pede a um Confuciano: (Para entender esta passagem, devemos saber que "música" [yue] e "prazer" [you] são escritos da mesma forma)
- Por que a música?
-A música é prazer.
-Você não respondeu à minha pergunta. Se você quer saber por que as casas são construídas, e ele diz "para se aquecer no inverno, se refrescar no verão, e garantir a separação entre homens e mulheres, então eu teria dado a razão pela qual as casas são construídas." Agora, se eu perguntar a razão pela qual a música é feita, e eu respondi que a música é feita para o prazer, é como se, à pergunta: "Por que casas?", você me respondesse "casas é para as casas".
O significado de justiça, altamente subjetivo para os confucionistas, que é baseado em deixar o homem em seu livre-arbítrio e melhoria da capacidade, se choca com o pensamento de Mozi, que só tem uma grande confiança em relação à natureza humana (sentimento compartilhado pelo legalismo). Para ele, o senso de justiça é um conceito que deve começar no topo da pirâmide social e se voltar para todos os níveis. Neste contexto, a estrita obediência aos seus superiores e o medo de punição se tornam a base de estabilidade e controle social. Isso se aplica, obviamente, para o topo da hierarquia, mas os descendentes do Céu (Tian), ou seja, o imperador, recebem o seu próprio senso de justiça como parte de sua divindade.
Sua influência
"Mozi" é o nome do texto filosófico compilado por moístas segundo o que Mozi pensava. Como o moísmo desapareceu como uma tradição praticada na China, seus textos não foram bem preservados, e muitos de seus capítulos foram perdidos ou danificados.
O moísmo foi suspenso durante o período de Dinastia Qin e morreu como um movimento sob o domínio da Dinastia Han, que adotou o confucionismo como doutrina oficial. No entanto, muitas de suas ideias foram absorvidas na corrente principal do pensamento chinês e foram reexaminadas nos tempos modernos. Alguns estudiosos chineses, sob o regime comunista, tentaram reabilitar Mozi como um "filósofo do povo", destacando tanto a sua abordagem racional-empírica como sua origem "proletária". Alguns apoiadores atuais do moísmo defendem que o moísmo e o comunismo têm muitos ideais comuns referentes à vida comunitária.
A partir de uma perspectiva moderna, a filosofia de Mozi era mais avançada em alguns aspectos e de outras formas não tão avançada como a de Confúcio. Por exemplo, o seu conceito de jian'ai (兼愛, "amor universal) se referia a relações igualitárias e orientadas para a comunidade entre os indivíduos, enquanto a noção boai (博愛, "amor universal") de Confúcio se referia a relações, ainda que mutuamente benéficas, diferenciadas entre os indivíduos segundo sua condição social. Por outro lado, mostrou-se menos tolerante do que a de Confúcio, ao condenar tudo que não é diretamente "útil", ignorando as funções de humanização da arte e da música por exemplo. Zhuangzi, que criticou tanto os confucionistas como os moístas, levou isso em conta ao fazer suas parábolas sobre a "inutilidade da utilidade".
Em 2016, uma iniciativa conjunta austríaco-chinesa entre os grupos de física experimental de Anton Zeilinger e Pan Jianwei conhecida como Satélite para Experiência de Ciência Quântica lançou um satélite artificial de comunicações quânticas apelidado de "Micius" ou "Mozi" em homenagem aos escritos de Mozi sobre ótica.[11][12]
O moísmo e a ciência
De acordo com Joseph Needham, o "Mozi" (escrito filosófico) contém a seguinte declaração:
Needham disse que essa afirmação é um precursor para a primeira lei de Newton. O Mozi também contém especulações sobre óptica e mecânica bastante originais, mas, infelizmente, as suas ideias não foram consideradas pelos filósofos posteriores chineses. A tradição moísta também é bastante incomum como parte do pensamento chinês devido ao tempo dedicado ao desenvolvimento de um início de lógica.
Bibliografia
- Fraser, Chris. "Mohism," article in the Stanford Encyclopedia of Philosophy
- Graham, A. C. (1993). «Mo tzu 墨子». In: Loewe, Michael, ed. Early Chinese Texts – A Bibliographical Guide. Berkeley: Society for the Study of Early China & Institute of East Asian Studies, University of California Berkeley. pp. 336–41. ISBN 1-55729-043-1
- Knechtges, David R. (2010). «Mozi 墨子». In: Knechtges, David R.; Chang, Taiping. Ancient and Early Medieval Chinese Literature: A Reference Guide, Part One. Leiden: Brill. pp. 677–81. ISBN 978-90-04-19127-3
- Needham, Joseph; Wang, Ling (1956). Science and Civilization in China. 2. History of Scientific Thought. [S.l.]: Cambridge University Press. ISBN 0-521-05800-7. (Printings were 1956, 1962, 1969) See also the 1986 edition published in Taipei by Caves Books Ltd.