Nascimento de caixão

Nascimento de caixão, conhecido na academia pelo termo mais preciso de extrusão fetal após a morte,[1][2] é a expulsão de um feto não viável pela abertura vaginal do corpo decomposto de uma mulher grávida morta, como resultado do aumento da pressão dos gases intra-abdominais. Este caso de parto após a morte ocorre muito raramente durante a decomposição do corpo. A prática de preservação química, através do qual os preservantes químicos e soluções desinfectantes são bombeadas para o corpo para substituir os fluídos corporais naturais (e as bactérias que residem neles), fez a ocorrência do "nascimento de caixão" tão rara que o tópico é raramente mencionado nos discursos médicos internacionais.

Tipicamente durante a decomposição do corpo humano, o trabalho das bactérias nos órgãos da cavidade abdominal (tal como estômago e intestinos) gera gases, como produto do metabolismo, que causa o inchamento do corpo. Em alguns casos, a pressão confinada dos gases pode apertar o útero, forçando para baixo, e pode sair e ser forçado para fora do corpo pela abertura vaginal (um processo chamado prolapso).[nota 1] Se um feto está dentro do útero, pode portanto ser expelido do corpo da mãe pela abertura vaginal quando o útero sai, um processo que, para aparências exteriores, imita o parto. As principais diferenças estão no estado da mãe e do feto e no mecanismo do parto: no parto natural, as contrações da mãe encorajam o bebê a sair do ventre; no caso de um nascimento de caixão, a pressão dos gases acumulados no corpo da mulher grávida morta empurra o feto morto do corpo da mãe.

Foram registrados casos pelas autoridades de medicina desde o século XVI, apesar de alguns casos arqueológicos darem provas de que esta ocorrência tenha ocorrido em vários períodos da história. Apesar de casos de expulsão fetal após a morte sempre terem sido raros, o fenômeno foi registrado em circunstâncias muito diferentes e é ocasionalmente visto num contexto forense moderno quando o corpo de uma grávida morta é descoberto algum tempo depois da sua morte. Existem vários exemplos que demonstraram que o termo nascimento de caixão é um nome impróprio em várias circunstâncias. Também existem casos onde um feto pode ficar separado do corpo da mulher grávida no momento da morte ou durante a decomposição, apesar destes casos não serem consistentes com o processo descrito aqui, visto que não são considerados verdadeiros casos de extrusão fetal após a morte.

Causas

Estágios da morte

Pallor mortis
Algor mortis
Rigor mortis
Livor mortis
Putrefação
Decomposição
Esqueletização
Fossilização

A etiologia[nota 2] de uma extrusão fetal após a morte não é totalmente compreendida, porque o evento não é previsível nem replicável sobre condições de testes. Foram acumuladas provas oportunamente e a observação direta é uma serendipidade. Apesar de ser possível que mais que uma etiologia possa produzir o mesmo resultado, existe uma hipótese aceita,[3] baseada em estabelecer investigações nos campos da bioquímica e da tafonomia forense[nota 3] e, mais à frente, apoiada pela investigação de observação, que conta para o mecanismo de tafonomia que resultam em casos mais recorrentes de extrusão após a morte de um feto não viável.[4]

Tipicamente, quando um corpo morto se decompõe, os tecidos corporais tornam-se vazios de oxigênio e o corpo começa a putrificar; a bactérias anaeróbicas no trato intestinal crescem com rapidez e, como resultado do aumento da atividade metabólica, são libertados gases tais como dióxido de carbono, metano e sulfato de hidrogénio.[5][6] Estas bactérias secretam exoenzimas[nota 4] para digerir as células do corpo e as proteínas para a ingestão, o que enfraquece os tecidos dos órgãos. O aumento da pressão força a difusão de gases excessivos nos tecidos enfraquecidos onde entram no sistema circulatório e se espalham para outras partes do corpo, o que faz com que o tronco e os membros entrem em decomposição. Este processo enfraquece a integridade estrutural dos órgãos, separando as camadas de tecido em processo de necrose. A decomposição normalmente começa de dois a cinco dias depois da morte, dependendo da temperatura externa, humidade e outras condições ambientais.[7] Quando o volume de gás aumenta, a pressão começa a forçar vários fluidos corporais a escoar por todos os orifícios naturais.[8] É nesta altura, durante a decomposição de um corpo grávido, que as membranas amnióticas começam a esticar e separar, sendo que a pressão do gás intra-abdominal pode forçar que o útero saia, o que pode resultar na expulsão do feto pelo canal vaginal.[9] Foi observado que os corpos de mulheres que deram à luz várias vezes[nota 5] têm mais probabilidade de expelir o feto espontaneamente durante a decomposição do que as que morrem durante a sua primeira gravidez, devido à elasticidade natural do cérvix.[10]

História

Vários casos documentados de extrusão fetal após a morte foram descritos num compêndio médico chamado Anomalies and Curiosities of Medicine, primeiramente publicado em 1896.[11] O primeiro caso registrado ocorreu em 1551, quando uma mulher grávida foi julgada e enforcada pelos tribunais da Inquisição espanhola. Quatro horas depois da sua morte e, enquanto o corpo ainda estava pendurado pelo pescoço, duas crianças mortas foram vistas a cair livremente do seu corpo. Isto não é usual pelo curto espaço tempo passado entre a morte e o parto. Como não é dada mais informações sobre outras circunstâncias ambientais, não está claro se a decomposição foi acelerada, ou se outros fatores ajudaram no processo.[4] Na cidade de Bruxelas, em 1633, uma mulher morreu de convulsões e três dias depois o feto foi espontaneamente expelido. Em Weissenfels, Alemanha, em 1861, uma extrusão fetal após a morte foi observada sessenta horas depois da morte de uma mulher grávida. Outros casos são descritos, contudo apenas poucos descrevem a descoberta inesperada dos restos fetais depois da exumação. A maioria dos casos ocorrem depois do enterro; em alguns desses, o corpo estava no caixão enquanto noutros casos o corpo ainda estava na cama de velório ou no esquife.[11]

No fim do século XIX, as técnicas modernas de embalsamento foram desenvolvidas, onde compostos químicos preservantes e desinfectantes (tal como formaldeído) são injetados para dentro do corpo, tirando os fluídos internos naturais e, com eles, a bactéria que cresce durante a putrefação e gera os gases que comprimem a força ativa por trás da expulsão do feto.[12] Contudo, o fenômeno é reconhecido pela medicina e, em 1904, John Whitridge Williams escreveu no seu bloco de notas de medicina obstetrícia uma seção sobre o "nascimento de caixão".[10] Apesar do texto ter permanecido como uma importante referência em obstetrícia, o título, seja chamado "nascimento de caixão" ou "extrusão fetal após a morte", foi excluído da sua 13ª edição em 1966[13] e não foi mencionado na edição publicada em 2009.[14] O tema foi discutido na literatura médica alemã durante o século XX,[15][16][17][18] apesar de casos mais detalhados reportados na literatura forense terem sido publicados recentemente.[1][2]

Em 2005, o corpo de uma mulher de 34 anos, grávida de oito meses, foi descoberto no seu apartamento em Hamburgo, Alemanha.[2] O corpo estava em decomposição e descolorado. Depois de uma examinação inicial, foi descoberto que a cabeça do feto tinha surgido na abertura vaginal. Na autópsia, os examinadores médicos descobriram que tanto a cabeça como os ombros do feto tinham saído e concluíram que era um caso de extrusão fetal após a morte ainda em progresso. A mulher, que tinha dado à luz duas vezes antes na vida, tinha morrido de overdose de heroína. O caso não era usual e apenas alguns praticantes de medicina tinham tido a possibilidade de observar e documentar o progresso de uma extrusão fetal após a morte.[2]

Em 2008, o corpo de uma mulher de 38 anos, grávida de sete meses, foi descoberto num descampado quatro dias depois de ter desaparecido da sua residência no Panamá.[1] Um saco plástico tinha sido deixado sob a sua cabeça e ela tinha sido amordaçada; o caso foi designado como homicídio. O corpo tinha sofrido com o calor tropical e alta humidade e estava em decomposição e altamente descolorado. Na autópsia, os restos do feto foram descobertos na roupa íntima da mulher.[nota 6] Apesar do feto estar num estado de decomposição semelhante, o cordão umbilical estava intacto e ainda preso à placenta dentro do útero.[1]

Bioarqueologia

A extrusão fetal após a morte pode ser muito difícil de reconhecer se o corpo tiver completamente esquelético e os bioarqueólogos são normalmente muito cuidadosos sobre declarar a presença deste fenômeno.[19][20] Existem várias razões culturais para uma mãe e a sua criança terem sido enterradas juntas, portanto, a presença de restos neonatais ao lado de uma mulher adulta não é tomado como uma prova conclusiva de uma extrusão fetal após a morte;[19][20] contudo, existem locais de enterro escavados onde a posição dos restos do feto relativamente aos da mulher adulta suportam esta hipótese. Existem algumas bases gerais quando um arqueólogo está a dirigir-se ao local do feto e do adulto:[19]

  1. Se os restos do feto forem encontrados numa posição fetal e estiverem inteiramente dentro da cavidade pélvica do adulto, o feto morreu e foi enterrado antes do parto. A mulher grávida pode ter morrido devido a complicações no parto;
  2. Se a criança for encontrada ao lado do adulto, com a cabeça orientada na mesma direcção que o adulto, o bebé nasceu, seja naturalmente seja de cesariana, por volta da altura da morte, e depois enterrado. Os bebés que nasceram podem também ter sido enterrados entre ou ao lado da tíbia, mas o bebé continua orientado na mesma direcção que o adulto. Se a maioria dos restos fetais estiverem na cavidade pélvica do adulto, mas as pernas estiverem estendidas e/ou o crânio estiver no meio das costelas, então a criança pode ter saído e depois colocada no topo do tronco da mãe antes do enterro. Como ambos os corpos estão em esqueleto, os ossos da criança surgirão no meio das vértebras da mãe;
  3. Se os restos do feto estiverem inteiros e numa posição inferior a e ao longo da linha pélvica, com a cabeça orientada para o lado oposto da mãe (virada para os pés do caixão ou da cova), então existe a possibilidade de nascimento de caixão.[21] As provas da extrusão fetal após a morte podem ser menos ambíguas quando os restos do feto são encontrados entre a linha pélvica do adulto, indicando parcial extrusão durante a decomposição.[22][23]

Em 1975, foi reportado que durante uma escavação de um cemitério medieval em Kings Worthy, Inglaterra, restos fetais surgiram dentro do canal de nascimento de um esqueleto de uma jovem mulher, com o crânio fetal na linha da pélvis e entre os dois fémures e os ossos das pernas do feto claramente na cavidade pélvica.[22] Outros casos de nascimento de caixão em escavações arqueológicas foram descritas, tal como em 1978 no local Neolítico na Alemanha,[24] num local medieval na Dinamarca em 1982,[23] e em 2009 no local do período cristão em Fingal, Irlanda.[21] Um nascimento de caixão também foi descrito num episódio de 2011 do programa da BBC History Cold Case, mostrando os restos de uma mulher e três bebés, na era romana, descobertos perto de Baldock, Hertfordshire.[25]

Aplicabilidade de diagnósticos

Como a extrusão fetal após a morte é tão rara, e ocorre sob condições altamente idiossincráticas devido ao ambiente envolvente e individual, este fenómeno não foi estudado para possível aplicações na investigação forense. Mesmo que o estudo da extrusão fetal após a morte pudesse levar a melhorar métodos de investigação, a investigação experimental pode ser altamente problemática. No presente, os cientistas forenses têm à sua disposição um vasto conjunto de técnicas estabelecida e procedimentos para uma investigações sobre a morte em estados de decomposição quando a extrusão fetal após a morte tipicamente ocorre.[9]

Em arqueologia, o estudos do contexto mortuário, que é, a interpretação do tratamento após a morte, em indivíduo ou no que se refere a padrões dentro de um grupo, levou ao desenvolvimento de hipóteses em estatuto social e/ou hierarquia sobre várias culturas, anciãs e existentes.[23][26][27][28][29] Para além disso, a determinação de se o parto ocorreu antes da morte em análise à população de mães, como a concentração dos elementos, diferem entre os esqueletos de mulheres grávidas adultas (antes de darem à luz) e mulheres que estão a amamentar; a identificação de um nascimento de caixão levaria a uma análise mais precisa do número de mulheres a amamentar na população ou a quantidade de mortalidade materna.[30] É por isso necessário para os investigadores reconhecerem a extrusão fetal após a morte quando a encontram numa escavação.[20][31]

Fenômeno comparável

Também existem vários casos onde os restos do feto são encontrados separados do corpo da mãe, mas a expulsão não foi pelo canal de nascimento, e a separação dos dois corpos pode ter sido influenciada por fatores externos ambientais. Os processo de separação é tão raro que nem foi proposto à comunidade científica um termo específico para o fenómeno. Estes casos podem ter resultados comparáveis, mas não são casos de extrusão fetal após a morte.

Em abril de 2003, o corpo de Laci Peterson surgiu numa costa perto de San Francisco Bay; ela tinha estado grávida quando desapareceu quatro meses antes, e o feto que ela carregava foi descoberto numa diferente praia. Quando questionados pela imprensa, as autoridades médicas inicialmente especularam que um nascimento de caixão tinha acontecido.[32] Contudo, na autópsia à cérvix foi descoberto ser uma condição pré-parto. Os examinadores médicos mais tarde concluíram que enquanto o corpo de Peterson estava na costa, a pele sobre a cavidade abdominal tinha rompido devido a processos naturais de decomposição. A água do mar entrou na cavidade abdominal e lavou a maior parte dos órgãos internos, bem como o feto.[33]

Em 2007, uma mulher de 23 anos na Índia, com mais de oito meses de gravidez, enforcou-se depois das contrações terem começado.[34] O bebê vivo saiu espontaneamente e sem ajuda do corpo da mulher, que ficou suspenso pelo pescoço. O bebê saudável foi encontrado no chão, ainda preso ao corpo da mãe com o cordão umbilical. A principal causa do parto foram as contrações normais, que começaram antes da sua morte e não estava relacionada com o processo de decomposição.[6][34] Uma vez que não é um caso de extrusão fetal após a morte, pode ser referida como um caso de parto após a morte, um termo que é aplicado a um grande número de técnicas e fenômenos que resultam no parto de um bebê vivo.[35]

Em 2008, foi reportado na Alemanha que uma mulher de 23 anos, no seu terceiro trimestre de gravidez, sofreu um acidente automobilístico e morreu; o feto morto foi encontrado entre os seus pés.[36] Depois do impacto inicial do veículo, ela ficou presa em um incêndio. A mulher não conseguiu escapar devido a ferimentos internos e morreu queimada. Os investigadores chegaram à conclusão que o calor extremo do fogo queimou o tecido epidérmico e subcutâneo em volta da cavidade abdominal, sendo que o interior do útero rompeu-se, o que fez com que o feto saísse da cavidade uterina e aterrasse no chão, entre os pés da mulher. O cordão umbilical ainda estava intacto e ligando o feto à placenta pela parede rompida do útero. Ao contrário da mulher, que sofreu queimaduras de 4º grau pelo corpo inteiro,[36] o corpo do feto estava relativamente sem queimaduras, porque a principal causa da separação do corpo da mãe foi termicamente induzida pela ruptura abdominal e da cavidade uterina; a separação traumática não esteve relacionada com o processo normal de decomposição e a expulsão do feto não envolveu a passagem pelo canal vaginal e, portanto, não é considerada uma extrusão fetal após a morte.[36]

Ver também

Notas

Referências

Bibliografia