Português oliventino

Português oliventino
Pronúncia:purtuˈɡeʃ ulivẽˈtinu
Falado(a) em:Olivença
Talega
São Bento da Contenda
São Francisco de Olivença
São Jorge da Lor
São Rafael de Olivença
Vila Real
São Domingos de Gusmão
Total de falantes:3 600[1]
Família:Língua portuguesa
 Português oliventino
Códigos de língua
ISO 639-1:--
ISO 639-2:---

O português oliventino[2] ou português continental (também conhecido como português de Olivença)[1] é a variedade dialetal da língua portuguesa própria das povoações de Olivença, Talega e das aldeias contíguas. Atualmente o português em Olivença e em Talega não goza de reconhecimento por parte da Espanha, que administra dito território desde a Guerra das Laranjas. Portugal, contudo não reconhece a soberania espanhola sobre a região e afirma que esses territórios lhe pertencem.[3][4] Já não se fala em Talega.[5]

Fruto dos dois séculos de administração espanhola e isolamento do resto de Portugal, o português oliventino é agora uma fala moribunda; os jovens já não o falam restando apenas alguns idosos.[2][6] O português deixou de ser a língua da população a partir da década de 1940, processo acelerado pela política de castelhanização implementada pela Espanha franquista.[6][7][8]

Contexto histórico

Fernando IV de Castela (à esquerda) e Dinis I de Portugal (à direita).

Olivença e Talega no Reino de Leão

A origem de Olivença está ligada à conquista definitiva de Badalhouce pelo último rei de Leão, Afonso IX, na primavera de 1230.[9] Para agradecer a participação dos templários nessa contenda, Afonso IX concedeu-lhes as praças de Burguillos e Alconchel.[9] A partir destes pontos, lá para o ano 1256, a Ordem criou a encomienda de Olivença, naquela altura apenas um conjunto de hortas, choças e algumas casas surgidas em redor de uma nascente.[9] Porém, durante o reinado de Afonso X o Sábio, os templários tiveram de deixar Olivença e entregar as suas terras ao Concelho e Bispado de Badalhouce.[9]

Olivença e Talega no Reino de Portugal

O território de Olivença.

Aquando da Reconquista, as terras que hoje formam os territorios de Olivença e de Talega foram cedidas a Portugal pelo Tratado de Alcanizes, em 1297, juntamente com muitas outras localidades. O rei Dom Dinis aproveitara a fraca posição política castelhana para anexar e reaver vários territórios.[10]

De 1297 até 1801 a vila mantém-se sob soberania portuguesa, inclusive durante a União Ibérica. Os cinco séculos de domínio português resultaram no fluxo para Olivença da cultura e língua portuguesas, além da expressão arquitetónica e do folclore.[2][11]

Devido à peculiar posição geográfica de Olivença, separada do resto do país pelo Odiana e rodeada por povoações castelhanas acabou por desenvolver um subdialeto do alentejano, com o qual partilha muitas das suas isoglossas.[12]

Olivença e Talega na Espanha

A partir da Guerra das Laranjas, Portugal perdeu Olivença e Talega. Embora Portugal reclame que a Espanha as perdeu no Congresso de Viena, o certo é que esta continua a administrar esse território. O português manteve-se como língua veicular e materna dos habitantes da região até à metade do século XX, quando começou a minguar, vítima da política castelhanizadora do franquismo e do sistema educativo, dado que este último não ensinava o português, atualmente ensina-o mas só como língua estrangeira.[12]

Características

O português oliventino é um subdialeto do português alentejano, insere-se por conseguinte no grupo dos dialetos portugueses meridionais.[13] A influência do castelhano faz-se notar nalguns destes pontos e no campo lexical.[13]

Algumas das características mais definidoras são:

  • Preferência pela monotongação em ô (sendo ou no padrão; em ocasiões pode dar no grupo vocálico oi). Exemplo: ôro/oiro (português padrão: ouro);[1][14]
  • Fechamento da vogal átona final e para i. Exemplo: fomi (português padrão: fome);[1]
  • Ausência do ditongo ei, que passa a ser ê. Exemplo: galinhêro (português padrão: galinheiro), com exceções: seisreireino, etc.;[1]
  • Yeísmo. Exemplo: casteyanos (português padrão: castelhanos).[1] A pronúncia da aproximante lateral palatal mantém-se em São Bento da Contenda e em Vila Real mas em acentuado declive.[14]
  • Uso da africada velar surda em empréstimos do castelhano, a qual é inexistente em português tanto padrão como dialetal.[14]
  • Aspiração do -s final, clara influência do castelhano dialetal estremenho.[14] Mesmo quando não aspirado, a execução é muito leve.[14]
  • Confusão ocasional b/v, embora também presente nos dialetos setentrionais, em Olivença é de clara influência castelhana.[14]

O português oliventino que ainda é falado está cheio de castelhanismos, uso das palavras castelhanas coche e ancho em detrimento das portuguesas carro e largo.[15] O castelhano falado na região está fortemente influenciado pelo português e pelas falas leonesas meridionais.[16]

Características morfológicas

Contração com a preposição "por"

Há alguns falantes oliventinos que, por provável influência castelhana, mantém a preposição "por" separada do artigo, não contraindo a preposição.[14] Em português padrão e galego normativo a norma é precisamente ao contrário, a contração é a regra.[14][17][18][19] Por exemplo, por o / por a / por os / por as; português padrão: pelo / pela / pelos / pelas e galego normativo (Real Academia Galega (RAG): polo / pola / polos / polas.[17][18][19] Em português padrão existe igualmente a forma polo / pola / polos / polas mas é considerado um arcaísmo.[20][21] É possível encontrar alguns falantes em Campo Maior que usam essa forma arcaica.[14]

Contração do pronome/artigo definido com a preposição para ou a

Traço estendido por toda a área linguística galego-portuguesa, em Olivença é regra geral mas também há certa conservação da separação do pronome/artigo definido com a preposição para ou a.[14] Por exemplo, ós (padrão: aos) e (padrão: para).[14] Em Portugal, em geral é bastante usada a contração pra e muito rara pelo que é possível associá-la como um castelhanismo, dado o facto da contração popular castelhana ser exatamente essa.[14][22]

Contração de artigos com a preposição "com"

Característica predominante na fala vulgar portuguesa, presente também na Galiza na qual está consagrada pela ortografia oficial da RAG; existente em Olivença.[14][23] Por exemplo, co / ca / cos / cas (padrão: com o, com a, com os e com as); mas também: c'um / c'uma / c'uns / c'umas (padrão: com um, com uma, com uns e com umas).[14][24][25]

Plural de nomes acabados em "ão"

Há registo em Olivença de palavras acabadas em -ão que formam o plural em -ões em situações que o português padrão não o faz.[14] Por exemplo, capitões e cristões (padrão: capitães e cristãos).[14] É também, um erro frequente em alguns falantes nativos portugueses a formação destes plurais.

Forma dos verbos regulares
Presente indicativoPretérito perfeito simplesPretérito imperfeito simplesFuturo indicativoCondicionalInfinitivo impessoal
FaloFalêFala(b/v)aFalarêFalariaFalári/Falá
Fala(h/s)Falasti(h/s)Fala(b/v)a(h/s)Falará(h/s)Falaria(h/s)igual
FalaFalôFala(b/v)aFalaráFalariaigual
Falêmo(h/s)Falámo(h/s)Falá(b/v)amos(h/s)Falaremo(h/s)Falaríamo(h/s)igual
Falái(h/s)Falasti(h/s)Falá(b/v)ê(h/s)Falarê(h/s)Falarê(h/s)igual
FalãFalarõFalavãFalarãFalariãigual

Verbo haver, "há" e "hai"

O verbo haver tem consagrada a forma a qual é padrão, porém, em Olivença e em outras povoações alentejanas como Alandroal ou Elvas, existe também a forma hai, a qual é similar à forma utilizado em galego normativo, hai.[14][26] As duas variantes são de uso frequente na região de Olivença.[14]

Verbo ir, "vas"

É recolhida popularmente em português a variante vas para o padrão vais.[14] O fenómeno é registado em Olivença e em Campo Maior.[14] Por outro lado, existem as formas vaia e vaias as quais parecem ser um caso de castelhanismo.[14]

Verbo trazer, "truxe"

Fenómeno de ocorrência dialetal presente em parte em Olivença.[14] Por exemplo, eu truxe (padrão: eu trouxe).[14]

Verbo dizer, "dezer"

Na povoação de Olivença é comum a realização do verbo dizer como dizer, em formas átonas muda para d'zia ou d'zendo (padrão: dizia e dizendo, respetivamente).[14]

Contato entre não e um verbo

Em Olivença encontra-se a elisão vocálica do advérbio não e um verbo que o sucede, este último deverá começar em vogal.[14] É especialmente marcada com o verbo haver.[14] Por exemplo, n'havia e n'amo; em português padrão: não havia e não amo.[14]

Características fonéticas

Palatalização
Mapa dos dialetos do domínio linguístico galego-português. Olivença pertencia ao dialeto alentejano.

Na primeira pessoa plural do indicativo dá-se um traço fonético peculiar, a palatalização do a por um e.[14] Este traço é partilhado com povoações do Alto Alentejo. Por exemplo, andêmos por aí em contraposição ao português padrão, andamos por aí.[14] Nalguns casos este fenómeno também acontece no infinito, por exemplo, engordér em vez de engordar.[14]

Existe outra modificação dialetal parecida, a palatalização do ã por um ẽ, isto só aconteceu em povoações da margem leste do Odiana como Serpa e Olivença, mas não em Vila Viçosa ou Mértola.[14] Por exemplo, amanhẽ por amanhã.[14]

Em muitos pontos do Alto Alentejo e muito presente Olivença é o fechamento da vogal e quando é seguida de uma palatal.[14] Por exemplo, lênha, coêyo e ovêya; em português padrão: lenha, coelho e ovelha, respetivamente.[14]

Labialização da vogal fechada ê para u quando seguida por uma consoante labial

Traço comum a algumas bolsas isoglóssicas do Alto Alentejo. Não é universal em Olivença. Por exemplo, buber e duvertido (padrão: beber e divertido).[14] Há casos isolados desta labialização já em Campo Maior.[14]

Nasalização antes de consonantes nasais não travantes

Traço também partilhado com os dialetos do Alto Alentejo, o fenómeno em Olivença não é demasiado estendido mas está presente.[14] Por exemplo, rãma, sõnho e sõno; em português padrão: rama, sonho e sono, respetivamente.[14]

Nasalização ou alteração do timbre do a átono inicial

Característica bastante comum em certos casos como enté / anté (padrão: até) e ansim (padrão: assim).[14] Esta alteração é própria do oliventino e não é encontrada nos demais dialetos portugueses meridionais, incluindo os mais próximos do Alto Alentejo.[14]

Execução da vogal final e como i

Este é o traço mais conhecido popularmente dos falares alentejanos, muito utilizado na imitação e caricaturização dos habitantes da região.[14] Em Olivença é complicado diferenciar entre a execução da vogal final como uma e fechada ou como i, sendo os casos mais claros, por exemplo, cidadis, possibilidadi e naceri; em português padrão: cidades, possibilidade e nascer, respetivamente.[14]

Assimilação do e tónico quando antecede um i

Há, também uma assimilação do e tónico que antecede um i, sendo substituído por este.[14] Esta característica é comum a Elvas e em menor grau a Campo Maior.[14] Por exemplo, siguinte, chiguê e piquena (padrão: seguinte, cheguei e pequena).[15]

Abertura das vogais i e ĩ em e e respetivamente

Esta alteração é comum em Olivença, sendo partilhada novamente com muitas vilas e aldeias do Alto Alentejo[14]. Por exemplo, êrmandadi, dêrêto e despôri; em português padrão: irmandade, direito e dispor.[14]

Assimilação ou dissimilação da vogal o aberta ou fechada

A assimilação ou dissimilação da vogal "o" não é um traço universal em Olivença mas claramente autóctone.[14] Por exemplo, teléfano e estâmago (padrão: telefone e estômago).[14]

Alterações no ditongo eu

Em Olivença, tal como noutras paragens do Alto Alentejo, é comum monotongação em ê do ditongo eu; porém, também há relativa preservação do ditongo.[14] Por exemplo, ê / eu, Êropa / Europa e tê / teu.[14] Quando a vogal e for aberta como em ilhéu, a e resultante da monotongação será também aberta, por exemplo, ilhé.[14]

Monotongação de ão para ã

Caso de outro fenómeno comum do Alto Alentejo e muito comum em Olivença quando em posição proclítica e em especial, como o advérbio não.[14] Porém, noutros casos é frequente a conservação do grupo semivocálico.[14] Por exemplo, , atã e (padrão: não, então e mão).[14]

Monotongação de ão para õ

Fenómeno próprio de Olivença e Campo Maior, ocorre na primeira apenas em posição proclítica.[14] Por exemplo, direçõ, açõ e ândõ; em português padrão: direção, ação e andam.[14]

Monotongação de -em para -

Traço geral da fala alentejana e oliventina especial, observado também em Campo Maior, inclusive em jovens.[14] Por exemplo, quẽ, armazẽ e paragẽ; em português padrão: quem, armazém e paragem.[14] O ditongo conserva-se em posição átona ou não proclítica mas a e nasal é fechada.[14]

Ausência de semivogal "i" quando precede uma consoante palatal

Características própria não só de Olivença e dos falantes alentejanos mas também estendida pelo Centro do país.[14] Por exemplo, más, caxa e faxa (padrão: mais, caixa e faixa).[14]

Síncope de vogais átonas

Caso comum no Alentejo em geral, em Olivença é maioritária a pronúncia pa para a preposição para.[14] A execução das vogais átonas é bastante leve, tornando palavras como: esse, aquele e direita em ess, aquel e drêta.[14]

Metátese entre consoante e vogal vibrante

Traço também partilhado por outras povoações alentejanas, em Olivença, por exemplo: drento e preguntari (padrão: dentro e perguntar).[14]

Situação linguística

Domínio português

O português, durante a dominação lusa do território era a língua oficial e, por conseguinte, a usada na administração, além disso era permitida e promovida como a língua estatal.[7] Assim, o português de Olivença estava regulado pela Academia das Ciências de Lisboa, sendo utilizada a norma padrão da língua portuguesa.

Guerras das Laranjas, século XIX e primeira metade do século XX

A oficialidade mudaria em 1801, mas para os oliventinos pouco mudara: o português continuar-se-ia a usar como dantes ao longo de todo o século XIX e até à década de 1940; a língua de Camões era utilizada na rua e era a escrita.[7]

O português era transmitido de geração em geração, a população sendo a mesma dantes da conquista castelhana continuou usar o linguajar autóctone.[2]

Franquismo

O Generalíssimo (Generalísimo) Francisco Franco.

Ao longo das décadas de 1940 e 1950, com a implantação do franquismo e da política de uma Espanha monoglota que perseguia todas as demais línguas que não fossem o castelhano, a língua oficial do Estado, o português começou a ser mal visto e perdeu prestígio, tornando-se a língua das classes baixas e pouco instruídas.[8] Era proibido falar português, os brasões portugueses eram vandalizados e até era proibido rezar a santos tradicionalmente portugueses, como Santo António.[8]

Os pais deixaram de falar em português com os seus filhos, falando-lhes desde então em castelhano. O sistema educativo daquele tempo teve um papel decisivo: alfabetizou as crianças em castelhano.[7] Anteriormente, os moços não iam à escola, indo já nas portas da puberdade trabalhar no campo, desta maneira a cultura portuguesa era conservada; Franco trouxe a escolarização sistemática, junto com a chegada dos meios de comunicação massivos rompeu o isolamento e fez que a cultura lusitana até então bem preservada fosse desaparecendo.[6] A propaganda franquista quis inculcar um espírito de desconfiança e de distância nos oliventinos em relação a Portugal.[6]

As novas gerações já não conheciam a língua de Camões como língua materna, senão como uma língua estrangeira alheia à sua terra.[7] A Sección Femenina teve a sua importância neste processo no campo das letras.[7]

As festas populares e o folclore, sinais da cultura portuguesa, foram perseguidos ou esquecidos.[6]

Atualidade

Desde a Transição (Transición) e o retorno da democracia, as relações com Portugal foram restabelecidas e o interesse pelo português e pela cultura lusitana em geral. O património arquitetónico luso está também a ser revalorizado, mas ainda está arraigado esse sentimento relutante a Portugal e à sua cultura.[7]

O português já só é falado pelas gentes mais velhas, as gerações vindouras já são monoglotas; tendo crescido e sido educadas em espanhol.[2][6] Os cachopos falam o espanhol no dia a dia, tanto na comunicação formal como informal.[2]

Ensino

O português é ensinado em Olivença e em Talega, mas como língua estrangeira.[7][27]

Algumas instituições como o Instituto Camões financiavam projetos para evitar a extinção do português na região e promover a cultura lusitana em Olivença, mas esses apoios já não existem.[7]

A 10 de junho de 2017, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas celebrou-se a primeira missa em português desde a década de 1840 quando foi banida.[28]

Associações de apoio ao português oliventino

A sede do Instituto Camões, em Lisboa.

Várias associações têm trabalhado a favor do português em Olivença e em Talega, tendo feito uma extensa lavra documental e projetos de apoio aos lusófonos.

Instituto Camões

Ver artigo principal: Instituto Camões

O Instituto Camões, o braço do governo português que visa a promoção e a conservação da língua portuguesa pelo mundo fora, esteve a financiar cursos e atividades do português, mas agora já não subsidia estes atos.[7]

Além Guadiana

Ver artigo principal: Além Guadiana

Em 2008 nasceu a associação Além Guadiana, a qual tem organizado vários eventos, colóquios e programas para ajudar a manter viva a língua de Camões em Olivença e compilar todo o património oral das gentes oliventinas.[8][29]

A Além Guadiana tem como projeto ambicioso criar uma base de dados sonora feita das gravações dos últimos lusófonos de Olivença, desta maneira com os provérbios, as histórias e canções a escrever e ilustrar a história recente da vila.[2]

Grupo dos Amigos de Olivença

Ver artigo principal: Grupo dos Amigos de Olivença

O Grupo dos Amigos de Olivença é uma organização de caráter nacionalista portuguesa, criada sob a tutela do Estado Novo.[30][31] Caracterizada pela sua atitude irredentista, tem feito pressão ao Estado português acerca do ensino da língua portuguesa em Olivença.

Referências

Bibliografia

Ligações externas