Verdade Operária
A Verdade Operária (Rabochaya Pravda) foi um grupo oposicionista socialista russo fundado em 1921.[1] Publicavam um jornal com o mesmo nome, Rabochaya Pravda, que apareceu pela primeira vez em setembro de 1921.[2]
A Verdade Operária considerava que a economia soviética havia se transformado em uma forma de capitalismo, com os gestores e organizadores técnicos como uma nova classe dirigente, junto com os empresários privados surgidos com a NEP (Nova Política Económica), tendo o Partido Comunista se tornado o representante dessa classe dominante, e já não do proletariado. Assim, a Verdade Operária, ainda que continuando a agir dentro do Partido Comunista, defendia que era necessário criar um novo partido dos trabalhadores.
Os seus principais ativistas foram presos em setembro de 1923 — sendo a atividade do grupo largamente suprimida a partir daí — e expulsos do Partido Comunista em dezembro do mesmo ano.
Ideias
O seu programa (o "Apelo/Mensagem ao Proletariado Revolucionário e a Todos os Elementos Revolucionários Que Permanecem Fiéis à Classe Operária em Luta")[3] foi divulgado em janeiro de 1923 pelo Sotsialisticheskii Vestnik,[4] um jornal menchevique[5] editado em Berlim.
A Verdade Operária considerava que durante a I Guerra Mundial o "capitalismo militar-estatal" tinha acelerado a tendência para a centralização da gestão da economia e dado origem a uma nova classe burguesa, composta pelos membros mais eficientes da velha burguesia junto com elementos oriundos da intelectualidade ligada à organização técnica. O grupo alegava que embora o Partido Comunista Russo tivesse sido o partido da classe operária, tinha se tornado "o partido dos organizadores e diretores do aparelho governamental e da vida económica segundo linhas capitalistas", e que estes (tal como os empresários privados surgidos com a Nova Política Económica) levavam uma vida de privilégios. Para lutarem contra essa situação, propunham a formação de círculos secretos de propaganda nos locais de trabalho, nos sindicatos e noutras organização de trabalhadores, e também no Partido Comunista e nas organizações a este ligadas.[4]
O grupo considerava necessário criar um partidos dos trabalhadores (ainda que, pelo menos provisoriamente, aceitando o governo existente e o Partido Comunista), a partir tanto dos trabalhadores sem-partido como filiados no Partido Comunista, defendendo propostas como:[4]
- Liberdade de expressão e associação para os "elementos revolucionários do proletariado";
- Luta contra a arbitrariedade administrativa;
- Fim do "fetiche" de reservar o direito de voto para os trabalhadores;[6]
- Defesa dos interesses económicos do proletariado e o cumprimento das leis laborais;
- Boas relações entre a república soviética e o que consideravam "países capitalistas avançados" - Alemanha e EUA - e boicotar a "reacionária" França;
- Apoio às burguesias nacionais dos países como a China, Índia ou Egito contra o colonialismo.
Origens
As raízes intelectuais da Verdade Operária estão muito provavelmente no movimento Proletkult, e sobretudo no manifesto dos "Coletivistas", publicado em 1921 por alguns elementos desse movimento (e possivelmente também ligados à Oposição Operária), alertando para o perigo da intelectualidade burocrática se tornar uma classe dirigente num capitalismo de estado.[7]
Os ativistas da Verdade Operária eram em sua maioria estudantes[8] e oriundos das academias "vermelhas", isto é, as instituições de ensino superior criadas com o fim de formar a intelectualidade do novo regime.[9] Apesar disso, defendiam que a promoção do trabalho cultural entre os operários industriais era mais importante do que financiar as universidades, já que estas seriam frequentadas por ex-operários que iriam passar para o lado dos tecnocratas.[10]
Relação com outros grupos oposicionistas
A Verdade Operária considerava que os mencheviques, embora fazendo uma boa análise da evolução ideológica e sociológica do Partido Comunista, defendiam posições reacionárias na economia por defenderem a devolução das empresas expropriadas aos seus antigos proprietários, enquanto os socialistas revolucionários teriam perdido a sua base social (os camponeses). Já a Oposição Operária teria elementos revolucionários entre os seus apoiantes (que a Verdade Operária deveria tentar cativar), mas um programa "objetivamente reacionário", que significaria voltar aos métodos do "comunismo de guerra".[4]
Por seu lado o Grupo Operário, de Gavril Miasnikov, no seu manifesto, acusava a Verdade Operária de na prática (ao dizer que a Rússia já era capitalista) aceitar e promover a restauração do capitalismo, e limitando a classe operária a lutar apenas por melhores salários.[11]
Repressão
Em agosto de 1923 houve uma vaga de greves nos principais centros industriais da Rússia, motivada pela crise económica surgida no principio desse ano (associada à subida dos preços dos bens da indústria em comparação com os dos produtos agricolas - a chamada "tesoura").[12][13]
Receando que os grupos comunistas dissidentes como a Verdade Operária ou o Grupo Operário pudessem capitalizar a agitação laboral (ou estivessem mesmo a promovê-la) para obter apoio entre a classe trabalhadora,[14] a direção do PC decidiu tomar medidas contra eles.[15] Em setembro de 1923 a polícia política soviética prendeu várias pessoas acusadas de terem ligações com a Verdade Operária,[16] como Fanya Shutskever, Pauline Lass-Kozlova, Efim Shul’man, Vladimir Khaikevich e também o filósofo e "velho bolchevique" Alexander Bogdanov.[17] Bogdanov negou qualquer ligação organizacional com o grupo, embora eles se afirmassem influenciados pelas suas ideias, e pediu uma reunião pessoal com Felix Dzerzhinsky, com quem falou antes de ser libertado a 13 de outubro.[18]
Em dezembro de 1923, Fanya Samoilova Shutskever, Efim Rafailovich Shul'man, Vladimir Markovich Khaikevich, Yakov Grigorevich Budnitsky, Pauline Ivanovna Lass-Kozlova, Oleg Petrovich Vikman-Beleev e Nellie Georgievna Krym foram identificados como os líderes da Verdade Operária e expulsos do Partido Comunista[19] (pelo menos Fanya Shutskever e Pauline Lass-Kozlova viriam a ser readmitidas no partido, em 1926[20] e 1927,[6] respetivamente; Shutskever viria a ser de novo presa em 1938).[20]
Com as prisões de setembro de 1923, a Verdade Operária foi efetivamente desmembrada.[21]
Notas
- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Workers' Truth», especificamente desta versão.
Referências
Bibliografia
- «Vozzvanie gruppy Rabochaya Pravda» [Apelo do grupo Verdade Operária]. Berlim. Sotsialisticheskii Vestnik (em russo). 49 (31): 12-14. 31 de janeiro de 1923. Tradução em português: «Apelo do Grupo "Verdade Operaria" ao proletariado revolucionário». Left Wing Communism - an infantile disorder?
- Halfin, Igal (2000). «The Ultra-Left: Workers' Truth». From Darkness to Light. Class, Consciousness, and Salvation in Revolutionary Russia. Col: Pitt Series in Russian and East European Studies (em inglês). [S.l.]: University of Pittsburgh Press. p. 378-382. ISBN 9780822972044. Consultado em 4 de fevereiro de 2018
- Pirani, Simon (2008). The Russian Revolution in Retreat, 1920–24 (PDF). Soviet workers and the new communist elite. Col: BASEES/Routledge Series on Russian and East European Studies, 45 (em inglês). [S.l.]: Routledge. ISBN 9781134075508
Ligações externas
- Petrov, Igor (1 de janeiro de 2014). «Группа Рабочая правда * Материалы» [Documentos da Verdade Operária]. Rabkrin (em russo). Consultado em 7 de janeiro de 2018 (inclui a versão integral do Apelo)