Caso Estados Unidos v. Nixon
Estados Unidos v. Nixon foi um célebre processo judicial travado em 1974 na Suprema Corte dos Estados Unidos, entre os Estados Unidos e o então reeleito presidente norte-americano Richard Nixon que, acusado de envolvimento em uma ação criminosa contra o escritório do partido opositor durante a campanha presidencial de 1972, alegava em juízo que não estava obrigado a apresentar provas que o incriminassem, valendo-se da prerrogativa do seu cargo.[1] As evidências do seu envolvimento no caso levaram à abertura de um novo processo de impeachment contra o presidente, que tinha pedidos arquivados desde 1971.
United States v. Nixon | |
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Suprema Corte dos Estados Unidos | |
Argumentado 8 de julho, 1974 Decidido 24 de julho, 1974 | |
Nome completo do caso | United States v. Richard Milhous Nixon, President of the United States, et al. |
Citações | 418 U.S. 683 94 S. Ct. 3090; 41 L. Ed. 2d 1039; 1974 LEXIS 93 |
Argumento | Argumento oral |
Decisão | |
A Suprema Corte tem a voz final na determinação de questões constitucionais; nenhuma pessoa, nem mesmo o presidente dos Estados Unidos, está completamente acima da lei; e o presidente não pode usar o privilégio executivo como desculpa para reter provas que sejam "comprovadamente relevantes num julgamento criminal". | |
Membros da Corte | |
Chefe de Justiça Warren E. Burger Juízes Associados William O. Douglas • William J. Brennan • Potter Stewart • Byron White • Thurgood Marshall • Harry Blackmun • Lewis F. Powell Jr. • William Rehnquist | |
Opiniões do caso | |
Maioria | Burger, acompanhado por Douglas, Brennan, Stewart, White, Marshall, Blackmun, Powell |
Rehnquist não participou da consideração ou decisão do caso. |
O resultado do julgamento foi favorável aos EUA por unanimidade (8–0) e considerado crucial para os estágios finais da investigação do escândalo político que ficou conhecido como Caso Watergate e a consequente decisão pelo impeachment. É considerado também como um precedente decisivo para a imposição de limites no poder do presidente dos EUA a partir de então.
A sentença final da Suprema Corte ocorreu em 24 de julho de 1974, depois de pouco mais de duas semanas de argumentações. Em 9 de agosto, dezesseis dias depois, Nixon renunciaria ao cargo de presidente dos Estados Unidos.
Antecedentes
O primeiro pedido de impeachment de Nixon foi liderado pelo advogado Charles Morgan Jr. em 1971, através da ONG ACLU.[2][3] O pedido de impeachment naquele ano foi pelos indícios de que Nixon havia autorizado o uso de excessivo poder bélico nos bombardeios aéreos no Camboja, na Operação Menu, durante a Guerra do Vietnã.[4]
Uma nova ação de impeachment, por crimes e contravenções, foi impetrada em 31 de julho de 1973 pelo representante dos EUA Robert F. Drinan.[5][6]
O Caso Watergate começou durante a campanha presidencial de 1972, disputada pelo senador democrata George McGovern, da Carolina do Sul e o presidente Nixon, candidato à reeleição pelo Partido Republicano.
Na madrugada de 17 de junho de 1972, cerca de cinco meses antes da eleição geral, cinco homens, entre eles um funcionário da CIA, foram surpreendidos e presos depois de arrombarem e invadirem o escritório do Comitê Nacional do Partido Democrata, localizado no complexo do edifício Watergate, em Washington, D.C..[7] Os homens tinham pelo menos dois dispositivos capazes de captar e transmitir conversas telefônicas, ferramentas usadas no arrombamento, e cerca de US$ 2 300 em dinheiro, a maior parte em notas de US$ 100, com os números de série em sequência. Tinham também rádio-comunicadores, além de equipamentos e filmes fotográficos. Havia duas gavetas de arquivo abertas, e as autoridades declararam que os homens estavam se preparando para registrar o conteúdo dos documentos.[8] Nas investigações, descobriu-se que um cheque de US$ 25 000, aparentemente destinado à campanha de reeleição do presidente Nixon, havia sido depositado em abril, dois meses antes do arrombamento, em uma conta bancária de um dos cinco homens presos.[9]
Em 18 de maio de 1973, o procurador-geral de Nixon, Elliot Richardson, nomeou Archibald Cox para o cargo de procurador especial, que ficaria encarregado de investigar o arrombamento.[10] Em junho de 1973, o ex-conselheiro presidencial John W. Dean III declarou aos investigadores do Senado e promotores federais que foram discutidos com o presidente Nixon ou na sua presença, em pelo menos 35 ocasiões entre janeiro e abril, os aspectos para se acobertar o escândalo Watergate. Dean alegou que o presidente Nixon estava profundamente envolvido no acobertamento do escândalo e que tinha conhecimento prévio de pagamentos feitos para comprar o silêncio dos que conspiravam contra ele.[11]
Em outubro de 1973, Nixon demitiu Cox, o que levou à demissão do procurador-geral Elliot Richardson e de seu vice, William Ruckelshaus, fato que ficou conhecido como Saturday Night Massacre.[12] No entanto, a indignação pública forçou Nixon a nomear um novo promotor especial, Leon Jaworski, que foi acusado de conduzir a investigação de Watergate de forma tendenciosa a beneficiar o governo.
O nome "Watergate" foi considerado por parte da mídia, como inadequado para abranger todas as transgressões cometidas por Nixon e outros membros da sua administração. O caso do arrombamento na sede do Comitê Nacional Democrata foi apenas o começo de uma investigação que se desenvolveu sobre mau uso de fundos federais, subornos, obstrução da justiça e outros.[13]
“ | A administração Nixon foi a mais assolada por escândalos na história americana. E os escândalos não envolveram apenas o saque aos cofres públicos por agentes do governo... Eles evoluíram abrangendo uma variedade de ações políticas ilegais e extra jurídicas direcionadas para o presidente e seus assistentes-chefes, incluindo o ex-procurador geral dos Estados Unidos, que tentou subverter o sistema político americano. | ” |
— Melvin Small, biógrafo de Richard Nixon.[14]. |
Em abril de 1974, Jaworski obteve uma intimação ordenando que Nixon liberasse as gravações e documentos relacionados a reuniões específicas entre o presidente e os indiciados pelo júri. Acreditava-se que as gravações das conversas que deveriam ser reveladas contivessem indícios de danos envolvendo os acusados e talvez o próprio presidente.
Na esperança de que o promotor Jaworski e a nação ficassem satisfeitos, Nixon entregou as transcrições editadas (com trechos apagados) de 43 conversas, incluindo partes de vinte conversas, exigidas pela acusação. James St. Clair, o advogado de Nixon, em seguida, solicitou ao juiz John Sirica, do Tribunal Distrital Americano no Distrito de Columbia, que anulasse a acusação. Sirica negou a moção de Nixon e ordenou que o presidente divulgasse as transcrições originais das fitas até 31 de maio.
Julgamento pela Suprema Corte
Tanto Nixon quanto Jaworski apelaram diretamente para a Suprema Corte, que ouviu os argumentos em 8 de julho. O advogado de Nixon argumentou que o assunto não deveria ser sujeito a "resolução judicial", uma vez que a matéria era uma disputa dentro do poder executivo e o próprio executivo deveria resolver internamente tal disputa. Além disso, ele afirmou que o promotor especial Jaworski não provou que os materiais solicitados eram absolutamente necessários para o julgamento dos sete homens. Baseado nisto, ele alegou que Nixon tinha um privilégio executivo absoluto para proteger as comunicações entre os "altos funcionários do governo e aqueles que o aconselham e o ajudam no exercício das suas funções."
“ | O Presidente não pode proteger-se de produzir prova em um processo criminal com base na doutrina do privilégio executivo, embora seja válida em outras situações." | ” |
— Premissa legal em que se baseou o julgamento.[1]. |
Decisão da Corte
Menos de três semanas depois de ouvir os argumentos orais, em 24 de julho de 1974, a Corte emitiu sua decisão. Os juízes esforçaram-se para escrever uma opinião em que todos os oito poderiam concordar. Eram tão fortes as evidências contidas nas gravações, de que tinha havido práticas criminosas pelo presidente e seus homens, que não houve nenhuma discordância. Por fim, o Chefe de Justiça Warren E. Burger emitiu a decisão unânime. Com isto, a Corte pôde finalmente resolver a questão posta por Jaworski de que realmente existia um "risco provável de que cada uma das fitas continham conversas relevantes para os crimes praticados na acusação." A Corte rejeitou a alegação de Nixon de que existia um "privilégio presidencial absoluto, sem ressalvas da imunidade de processo judicial em todas as circunstâncias."[15][16]
“ | A decisão levou em consideração que a prerrogativa do privilégio de confidencialidade nas comunicações presidenciais, poderia prejudicar a necessidade de proporcionar clareza e equidade em julgamentos criminais. Sendo as circunstâncias um tanto originais, teve valor limitado como um precedente, mas ilustra um caso em que o Tribunal questionou a autoridade executiva.[1] | ” |
O parecer do Chefe de Justiça Warren Burger baseou-se na decisão unânime do tribunal, composto pelos juízes William O. Douglas, William J. Brennan, Potter Stewart, Byron White, Thurgood Marshall, Harry Blackmun e Lewis F. Powell. Burger, Blackmun e Powell haviam sido nomeados para a Suprema Corte no primeiro mandato de Nixon. O juiz associado William Rehnquist, também nomeado por Nixon, absteve-se de votar por ter servido na administração anterior de Nixon como procurador-geral adjunto.[17]
Em 27 de julho de 1974, três dias depois da decisão, um novo pedido de impeachment foi aprovado pelo Comitê Judiciário dos EUA, com nove acusações contra o presidente, entre elas, de fazer declarações falsas ou enganosas para administradores e empregados dos Estados Unidos, reter provas ou informações relevantes, interferir na condução de investigações, subornar testemunhas para obter silêncio ou influenciar depoimentos, e outras.[18]
“ | Usando os poderes do cargo de Presidente dos Estados Unidos, Richard M. Nixon, em violação do seu fiel juramento constitucional de exercer o cargo de Presidente dos Estados Unidos e, com o melhor de sua capacidade, preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos, e em violação do seu dever constitucional de cuidar para que as leis sejam fielmente executadas, tem repetidamente se envolvido num comportamento que viola os direitos constitucionais dos cidadãos, prejudicando a administração devida e adequada da justiça e a condução dos inquéritos legais ou violando as leis que regem as agências do Poder Executivo e o propósito dessas agências. | ” |
— Parecer do Comitê Judiciário dos EUA sobre o segundo artigo do processo de impeachment do presidente Nixon.[18]. |
Renúncia
Antes de ser oficialmente afastado do cargo, Nixon renunciou dezesseis dias depois do julgamento, em 9 de agosto de 1974. O discurso, comunicando à nação a sua renúncia, iniciou às 21h01 do dia anterior, no horário local. Foi transmitido ao vivo pelos meios de comunicação para todo o mundo e teve uma audiência até então nunca vista. Só nos EUA, foram 150 milhões de espectadores.[19] Logo depois da renúncia, no mesmo dia 9 de agosto, assumiu a presidência dos Estados Unidos, seu vice-presidente Gerald Ford.
“ | Renunciarei à presidência efetivamente amanhã ao meio-dia.[...] Eu lamento profundamente todos os danos que possam ter ocorrido no curso dos acontecimentos que levaram a esta decisão. Eu gostaria de dizer apenas que, se alguns dos meus julgamentos estavam errados – e alguns estavam errados – eles foram feitos no que eu acreditava na época, que fossem do melhor interesse da nação... Vou sem rancor daqueles que foram contra mim. | ” |
— Discurso de Nixon em 8 de agosto de 1974, comunicando a sua renúncia.[19]. |
Perdão oficial a Nixon
Em 8 de setembro de 1974, um mês depois da renúncia de Nixon, o presidente Gerald Ford concedeu oficialmente, através do Decreto n.º 4311, o "perdão total, livre e absoluto" da nação ao ex-presidente.
“ | Eu, Gerald R. Ford, Presidente dos Estados Unidos, de acordo com o poder de perdão conferido pelo Artigo II, Seção II da Constituição, concedo por meio deste documento, o total, livre e absoluto perdão a Richard Nixon por todas as ofensas contra os Estados Unidos que ele, Richard Nixon, tenha cometido ou possa ter cometido ou tomado parte durante o período de 20 de julho de 1969 a 9 de agosto de 1974.[20][21] | ” |
Referências
Ligações externas
- United States v. Nixon – Chicago-Kent College of Law