Movimento Popular de Libertação de Angola

partido político angolano
(Redirecionado de MPLA)

O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) é um partido político angolano orientado no espectro de centro-esquerda à esquerda, que governa o país desde sua independência de Portugal em 1975.

Movimento Popular de Libertação de Angola
(MPLA)
Movimento Popular de Libertação de Angola
LíderJoão Lourenço
PresidenteJoão Lourenço
Vice-presidenteLuísa Pedro Francisco Damião
Secretário-geralPaulo Pombolo
Fundação10 de dezembro de 1956 (67 anos)
SedeAv. Ho Chi Minh, nº 34, Luanda, Angola
IdeologiaActualmente:
Social-democracia[1]
Socialismo democrático[2] Anteriormente:
Comunismo[2]
Socialismo[3]
Marxismo-leninismo[2]
ReligiãoSecularismo[4]
Anteriormente:
Ateísmo[5]
PublicaçãoÉME[6]
Membros (2008)2 700 000[7]
Afiliação internacionalInternacional Socialista
Assembleia Nacional de Angola
124 / 220
Espectro políticoCentro-esquerda a esquerda [8]
Ala jovemJMPLA
Ala femininaOMA
CoresVermelho
SloganPaz, Trabalho e Liberdade
Bandeira do partido
Página oficial
http://mpla.ao/

Fundado em 1956 foi, inicialmente, uma organização nacionalista de luta pela independência de Angola, transformando-se num partido político após a Guerra de Independência de 1961 a 1974. Na descolonização, conquistou o poder em 1975 e saiu vencedor da Guerra Civil Angolana de 1975-2002, contra dois movimentos/partidos rivais, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).

É o maior partido do país em número de filiados e de representantes eleitos para a Assembleia Nacional de Angola. Seus militantes são chamados émepelalistas,[9] émes[10] e rubros.[11]

História

A luta de libertação de Angola foi marcada pela formação de movimentos distintos: o MPLA, de orientação marxista nacionalista ampla, mais modernizador e universalista;[12] a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), de orientação conservadora e tribalista,[13] mas que havia começado acções de luta pouco antes e, apesar das tentativas, não alcançou entendimento de unidade com o MPLA, e;[14] a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), de orientação inicialmente maoísta também com aspectos tribalistas.[13]

Fundação e início da luta anticolonial (1956-1961)

A articulação para fundação do MPLA deu-se, principalmente, no seio de duas organizações políticas: o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA), fundado em 1953[12] por Viriato Clemente da Cruz e Matias Miguéis,[15] que operou incipiente até 1954 por falta de mobilização de massas,[15] sendo ofuscado por outros grupos nacionalistas anticoloniais políticos e culturais que já operavam em Angola e em Portugal,[15] e; o Partido Comunista Angolano (PCA), fundado em dezembro de 1955 como uma célula baseada em Luanda do Partido Comunista Português (PCP),[nota 1] agrupando, inicialmente, destacadas lideranças do nacionalismo angolano, como Viriato da Cruz, Ilídio Machado, Mário António e António Jacinto,[15] e, logo em seguida, Lúcio Lara, Mário Pinto de Andrade e Joaquim Pinto de Andrade.[15]

A liderança do PCA percebeu que o crescimento da luta nacionalista esbarrava na relutância da aceitação da luta de classes marxista-leninista que o partido propunha,[15] bem como na própria perseguição imposta pelo regime do Estado Novo a qualquer organização de cunho comunista e socialista.[12][13][15] Viriato da Cruz, membro de ambas as organizações,[15] articulou a fusão e organização do PCA com o PLUAA — este um partido não-comunista e, a partir de meados de 1955, já com organização de massas populares.[15] As discussões avançaram para a formação de um movimento nacionalista de frente ampla[16] que abarcaria organizações diluídas em seu seio,[15] sem usar os símbolos ou divulgar explicitamente as teorias marxistas-leninistas.[15] Assim, em 10 de dezembro de 1956, numa reunião em Luanda, Viriato da Cruz e Mário Pinto de Andrade redigem o "Manifesto de 1956"[17][18] por um "amplo Movimento Popular de Libertação de Angola",[19] como um programa de reagrupamento das lutas nacionalistas.[20] Além dos nomes já citados que lideravam o PLUAA e o PCA, juntaram-se ao manifesto de criação do MPLA Liceu Vieira Dias, Chico Machado, Germano Joy Gomes, Manuel dos Santos Capicua, Noé Saúde, Deolinda Rodrigues, Manuel Bento Ribeiro, Paulo Teixeira Jorge, Adriano Sebastião Kiwima e Amílcar Cabral.[15] Ilídio Machado, um membro-chave do PCA e da Liga Nacional Africana,[15] foi eleito o primeiro presidente do MPLA,[15] permanecendo em funções até ser preso, em 1959.[15] Antecipando-se ao cerco da PIDE, Ilídio Machado ordena a retirada de parte da liderança do MPLA de Luanda até setembro de 1957, confiando a Mário de Andrade e Viriato da Cruz a formação de um núcleo de relações exteriores e sede no exílio em Paris e Francoforte do Meno.[20] Permanecem em Luanda liderando as ações do MPLA Ilídio Machado, Joaquim de Andrade, Sebastião Kiwima e Manuel Pedro Pacavira.[21] Quando preso, Ilídio Machado foi substituído pelo secretário-geral Mário de Andrade, que exerceu o cargo no exílio entre 1959 e 1960;[22] de liderança, somente Pacavira e Joaquim de Andrade permaneceram em Angola coordenando as atividades do movimento que ainda contava com poucos militantes.[21]

Em 1960 já tinham se unido ao MPLA o Movimento para a Independência Nacional de Angola (MINA),[12] fundado em 1958, o Movimento para a Independência de Angola (MIA), fundado em 1958[12] e liderado também por Ilídio Machado,[12] e o Movimento de Libertação Nacional de Angola — Exército de Libertação de Angola (MLNA-ELA).[12] Além dessas, diversos ativistas anticoloniais que fugiam do interior de Angola também juntaram-se ao MPLA. Tais grupos unidos formavam correntes distintas dentro do movimento, que lutavam pela predominância, que acabou ficando com a corrente do PCA, liderada por Lúcio Lara (marxista-leninista) e Viriato da Cruz (maoísta).[23][nota 2]

Em 1960 António Agostinho Neto assume como presidente do partido, tendo como secretário-geral Viriato da Cruz[22] e o auxílio operacional de Pacavira e Joaquim de Andrade.[21] Com a prisão de Agostinho Neto ainda em 1960, Mário de Andrade alterna com Viriato da Cruz no comando do partido até dezembro de 1962.[22] As seguidas prisões das lideranças Ilídio Machado, Antonico Monteiro, Liceu Vieira Dias, Noé Saúde, Sebastião Kiwima, Hélder Neto e Uanhenga Xitu, no Processo dos 50, e de Agostinho Neto,[21] Joaquim de Andrade[21] e Pacavira[21] pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) em Luanda,[21] repercute, respectivamente, no movimento anticolonial internacional e no despertar de uma consciência anticolonial em solo angolano, angariando forte apoio popular ao nascente MPLA.[24] Em janeiro de 1960, pouco antes da prisão de Agostinho Neto, o MPLA articulou a criação da Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colônias Portuguesas (FRAIN), estabelecida durante a 2ª Conferência dos Povos Africanos, realizada em Tunes.[25] A FRAIN/CONCP seria fundamental para que o partido voltasse a ter uma sede em solo africano (Conacri, em 1960) e articulasse apoios e financiamento no exterior, como de Cuba, União Soviética, Bulgária, Checoslováquia, Guiné-Conacri, Suécia e Argélia.[26]

Cisões e organização da guerrilha (1961-1972)

Secretário-geral Mário de Andrade (em primeiro plano à direita) como delegado do MPLA numa conferência da Organização de Unidade Africana (OUA) em Argel, em 1968.

A partir de 1961 a ala comunista do MPLA, sob supervisão do GRAE-Frente de Libertação (GRAE-FLA), começou a organizar a luta armada contra a dominação colonial de Angola por Portugal, tendo como marco os ataques de 4 e 9 de fevereiro daquele ano à Casa de Reclusão Militar, em Luanda, a Cadeia da 7ª Esquadra da polícia, a sede dos CTT e a Emissora Nacional de Angola, organizados operacionalmente por Adão Neves Bendinha[27] e pelo monsenhor Manuel Joaquim Mendes das Neves.[28] O temor pela crescente influência do GRAE-FLA, demonstrada nos ataques de fevereiro, fez com que o MPLA constituísse rapidamente o "Exército Popular de Libertação de Angola" (EPLA), atribuindo a tarefa a Manuel dos Santos Lima, o primeiro comandante da tropa.[29]

A primeira grande reorganização dos quadros dirigentes do MPLA ocorreu na reunião do Comitê Director de 13 a 23 de maio de 1962, na sede política no exílio em Quinxassa, quando, por iniciativa de Viriato da Cruz, os elementos mestiços e brancos foram substituídos majoritariamente por elementos negros na liderança do partido.[13] Houve, naquele momento, a opção pela suavização ideológica do movimento com vistas a diminuir a influência de membros considerados radicais e comunistas, como Viriato da Cruz e Lúcio Lara.[13] Neto retorna à liderança do partido como "presidente honorário" em julho de 1962 e tenta desfazer as teses de Cruz.[13] As contendas levam a realização da Primeira Conferência Nacional do MPLA, de 1 a 3 de dezembro de 1962, no exílio em Quinxassa, onde Neto foi eleito novamente como presidente efetivo em substituição a Mário de Andrade, e Matias Miguéis como secretário-geral, havendo também o retorno da ala comunista à liderança, com a eleição de Lara como Chefe do Departamento de Organização e Quadros (que se tornaria de facto o número 2 do partido durante a década).[13]

Em julho de 1963 formou-se a primeira grande dissidência liderada por Viriato da Cruz, Matias Miguéis, José Domingos e José Miguel, que formaram o chamado "MPLA-ala Viriato da Cruz" que defendia, dentre outras coisas, a destituição do Comitê Director e um acordo de fusão com o FNLA.[13] A ala de Neto respondeu a essas propostas destituindo, desfiliando e prendendo os dissidentes, e com a criação da Frente Democrática de Libertação de Angola (FDLA), a partir da união do MPLA com o Movimento de Defesa dos Interesses de Angola (MDIA), o Movimento Nacional Angolano (MNA), o Ngwizani a Kongo (NGWIZAKO) e a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA).[13] Neto tentou que a FDLA fosse reconhecida pela Comissão de Conciliação da Organização de Unidade Africana (OUA), em vez da FNLA, mas não obteve sucesso.[13] Por fim, mesmo Mário de Andrade desligou-se do Comitê Director por discordar da criação da FDLA e o MPLA-ala Viriato da Cruz filiou-se em peso à FNLA, em 1964.[13] O revés político na Comissão de Conciliação da OUA custou a mudança da sede política do MPLA para Brazavile, em 1963.[13] Além disso, as discordâncias de Neto com Viriato da Cruz, Matias Miguéis e José Miguel levaram os mesmos a sofrerem sessões de tortura, com a morte dos dois últimos em 1965.[13] Por fim, em 1964 a FDLA foi totalmente absorvida pelo MPLA.[23]

Aproveitando sua posição no Congo-Brazavile, o MPLA estabelece sua mais importante base operacional em Dolisie e começa sua campanha para tomar Cabinda em 1964, embora operasse com dificuldade dado a forte presença portuguesa no território a proteger as fontes petrolíferas.[30] A reorganização feita por Neto e Lara neste mesmo ano angaria uma notável vitória política com o reconhecimento do movimento por parte da OUA.[31] Em 1966, o MPLA, com apoio da Zâmbia, abre a exitosa "Frente Leste" conquistando progressivamente enormes porções da Lunda Sul, Moxico e Cuando-Cubango (efetivamente conquistando o apoio dos chócues, ganguelas, xindongas e vambundas), superando uma virtual penetração ideológica até então restrita às áreas de ambundos, mestiços e congos.[32] É criada a "zona libertada",[30][33] com comando operacional a partir de uma nova sede em Lusaca.[16] Tal feito, correlacionado ao "Plano Iko",[16] sob comando de Iko Carreira, permite ao partido chegar até Malanje em 1968, efetivamente controlando enormes porções também da Lunda Norte.[32] Em 1968 a OUA retira o apoio anteriormente dado à FNLA e passa a reconhecer unicamente o MPLA, o grupo mais bem consolidado no terreno, controlando a famosa "Rota Agostinho Neto" que se estendia desde Luena e Lungué-Bungo até Malanje.[32][34]

A mudança de panorama deu-se entre 1969 e 1971, quando a necessidade de lutar ao mesmo tempo contra o Exército Português e a UNITA enfraqueceram militarmente a Frente Leste. O movimento voltou a lutar basicamente na região de Cabinda e norte de Angola.[35] Com a aposentadoria por idade do vice-presidente Domingos Kileba em 1971, o quadro de comando do partido, após reunião do Comité Director (que seria integralmente substituído em 1974 pelo Comité Central) passa a ser Lúcio Lara como vice e Iko Carreira como secretário-geral.[36]

Assembleia de Dolisie e MPLA no governo (1972-1977)

Manifestação em Amesterdão de endosso ao MPLA, em junho de 1975.

A perda da capacidade militar do MPLA faz com que a OUA reconheça novamente a FNLA, que também agrega apoio da China e do Zaire em 1971. Este cenário gerou uma crise sem precedentes em 1972, quando o MPLA se dividiu em três "alas" praticamente autónomas — a "Revolta Activa", liderada por Mário de Andrade, e a "Revolta do Leste", liderada por Daniel Chipenda, ambas opostas a Agostinho Neto, e a "Ala Presidencial", fiel a Agostinho Neto.[37] Foi convocada a Assembleia Extraordinária de Dolisie, em abril de 1972, para consolidação de uma liderança forte em torno de Neto e Lara.[38] Mesmo assim, a tripla cisão só foi superada em 1974, por uma conferência de unificação realizada na Zâmbia, mas levou à expulsão ou saída espontânea de uma série de elementos, como Chipenda, Mário de Andrade, Joaquim de Andrade e Gentil Ferreira Viana, e deixou profundas marcas no movimento.[39]

Terminada a luta de libertação, na sequência da revolução dos cravos de 25 de Abril de 1974 em Portugal, os três movimentos (MPLA, FNLA e UNITA) são chamados a assinar o Acordo do Alvor de partilha do poder, estabelecendo o Conselho Presidencial do Governo de Transição em janeiro de 1975.[40] A paz dura pouco tempo e inicia-se entre os movimentos uma luta armada pelo poder, com a ajuda dos países que os apoiavam.[39] A ala de Chipenda, agora na FNLA, faz seguidas incursões contra as posições fragilizadas do MPLA no leste e em Luanda a partir de fevereiro de 1975, enquanto que a guerra total explode em julho do mesmo ano entre os três movimentos.[39]

Nos bastidores da partilha do poder do Alvor o MPLA recebeu apoio intenso do grupo informal chamado militares vermelhos das Forças Armadas de Portugal, destacadamente do almirante Rosa Coutinho e do major Otelo Saraiva de Carvalho.[40] Foram esses militares portugueses que colaboraram para que o movimento tivesse pesado apoio soviético e cubano a partir de julho de 1975.[40] Eles conseguiram que o MPLA firmasse contatos mais fortes com Fidel Castro e Raúl Castro,[40] que possibilitaram a negociação do plano para uma intervenção militar cubana em Angola.[40]

Os grupos guerrilheiros rivais proclamaram separadamente a independência do país,[39] sem que tivesse acontecido a pacificação interna.[39] Do embate pela proclamação de independência, o MPLA saiu como vencedor imediato em Luanda, Cabinda, litoral e grandes porções do interior do país.[41] É frequente, numa leitura etnolinguística e racial da política angolana, ligar o MPLA à região dos ambundos e ao segmento populacional dos mestiços, e posteriormente, aos chócues, ganguelas, xindongas e hererós. Esta leitura corresponde a uma realidade inicial que, no entanto, foi superada numa medida considerável, pela inclusão de elementos de outras proveniências étnicas e políticas tanto nos quadros como na base social de apoio, principalmente na etapa seguinte, a Guerra Civil Angolana, que fez o partido inserir-se fortemente também às comunidades congos, ovimbundos, ovambos e nhaneca-humbes.[nota 3]

Fraccionismo e guerra civil (1977-1991)

Em 1977, o MPLA sofreu um sério abalo com uma nova dissidência, liderada por Nito Alves, Sita Valles e José Jacinto Van-Dúnem, que tentaram um golpe de Estado contra a direcção do partido, conseguindo assassinar as importantes lideranças militares émepelalistas Paulo Mungungo Dangereux, Eugénio Nzaji, Saíde Mingas, José Bula Matadi e Hélder Ferreira Neto.[37] Esta tentativa, oficialmente designada por Fraccionismo, falhou de imediato graças à intervenção de tropas cubanas presentes no país,[37] levando posteriormente a uma purga sangrenta que custou a vida a milhares de pessoas.[42][43]

Sob o impacto destes acontecimentos, o MPLA adoptou durante o I Congresso Ordinário, realizado em 1977, a designação "Movimento Popular de Libertação de Angola - Partido do Trabalho" (MPLA-PT) e os seus estatutos passaram a incluir a designação de partido marxista-leninista.[37] O entendimento foi, no entanto, que se procuraria pôr em prática o modelo marxista do "socialismo", não o do "comunismo".[44]

A partir de 1977 até 1979 o pensamento pragmático no partido se acentuou,[44] inclusive ensaiando uma aproximação tímida com os Estados Unidos,[44] que irritava os soviéticos[44] (e também os cubanos) que esboçaram um plano para substituir Neto pelo então primeiro-ministro Lopo do Nascimento. Tal plano foi descoberto pelo governo angolano, que agiu rapidamente destituindo Nascimento (foi realocado como Ministro do Comércio Interno) e abolindo a posição de primeiro-ministro.[44] O pós-Fraccionismo e a crise com o bloco comunista recrudesceu a política interna do MPLA-PT, que optou por governar Angola em regime de partido único de ditadura do proletariado e sem diálogo com a oposição ou com outras tendências, inspirado nos sistemas então vigentes no Leste Europeu.[44]

O final da década de 1970 e a década de 1980 também ficariam marcadas pela morte de Neto, a breve presidência de Lara[45] e a ascensão de José Eduardo dos Santos.[38] Este levou a cabo um longo processo de afastamento de figuras que considerava demasiado poderosas, no que ficou conhecido como as "purgas eduardianas", ou "purgas da Peça e do Quadro", iniciadas em 1982,[46] e replicadas em 1985[46] e 1987-1990.[47] Tais purgas fortaleceram definitivamente a chamada de ala pragmática-liberal[48] e exilaram dos cargos-chave a ala "Guia Imortal" (ou comunista/progressista-socialista).[46] A purga atingiu nomes como Ambrósio Lukoki,[48] Costa Andrade (Ndunduma wé Lépi),[48] Ruth Lara[49] e Lúcio Lara.[50]

Multipartidarismo e adoção da social-democracia

Quando Angola adotou, em 1991, o sistema democrático multipartidário, o MPLA abdicou do marxismo-leninismo e passou a ser um partido politicamente constituído próximo da social democracia, ora com tendências nacionalistas de esquerda e progressistas — pela sua prática de manter o mercado angolano protecionista e com alto controle estatal — ora com abertura de mercado e privatizações.[51]

Em 1992 Angola viveu as suas primeiras eleições parlamentares e presidenciais multipartidárias. O MPLA ganhou maioria qualificada com 129 dos 220 assentos da Assembleia Nacional. Porém, nas presidenciais o seu candidato, José Eduardo dos Santos, não obteve a maioria absoluta requerida na primeira volta. A UNITA não aceitou os resultados como correctos e válidos, retornando de imediato a Guerra Civil Angolana.[52]

A opção pelo neoliberalismo, com abertura de mercado, desmonte do Estado e privatizações, além de um fraco componente de políticas sociais durante a década de 1990, bem como a nova configuração interna de poder adoptada, afastou o partido de antigos aliados e de bandeiras históricas, marcando também um período de aumento de denúncias de corrupção e alienação da estrutura partidária para fins particulares envolvendo nomes da cúpula política, cultural e militar do MPLA. O impacto foi tão profundo no partido que o jornalista Rafael Marques chegou a apontar um "realinhamento político" ou "inversão eleitoral crítica", com a UNITA tomando posições antes do MPLA e vice-versa — semelhante ao ocorrido em 1932 entre os partidos estadunidenses democrata e republicano.[53]

Pós-guerra civil e fim da era Dos Santos

Em 2002, como resultado do Memorando de Entendimento do Luena, foram criadas condições para a normalização das questões políticas nacionais com eleições livres, que culminou no tratado da paz em 4 de abril de 2002 entre os principais intervenientes da Guerra Civil: o MPLA, o governo e a UNITA.[54]

Foram realizadas eleições legislativas nacionais, a 5 de setembro de 2008, decorrendo num clima de tranquilidade e paz social, tendo sido consideradas livres e justas e um exemplo para os outros países africanos, marcando a entrada do país numa era de consolidação da sua democracia com garantias de liberdades. Os resultados das eleições consolidou o MPLA, que ganhou por maioria absoluta com cerca de 82% dos votos,[55] enquanto que o seu mais directo oponente, a UNITA, não foi além dos 10%. De uma maneira geral, não houve contestação aos resultados destas eleições.[56] Nesta eleição, também, o MPLA passa a voltar-se e orientar-se para suas instituições orgânicas e de massas, marcado pela inscrição de Inga Van-Dúnem, Secretária-Geral da Organização da Mulher Angolana (OMA), na segunda posição da lista dos candidatos do MPLA ao Círculo Nacional da Assembleia Nacional, naquele momento a mulher com maior protagonismo na história do partido desde Deolinda Rodrigues.[57][58][59][60]

Nas eleições de 2012 o MPLA decresceu cerca de 10% no parlamento, muito embora mantendo uma maioria qualificada, e confirmando, deste modo, José Eduardo dos Santos na Presidência da República.[61]

De 2016 a atualidade

João Lourenço, então candidato a Presidente pelo MPLA, ergue o dedo pintado depois de votar em Luanda, em 23 de agosto de 2017.

Em agosto de 2016,[62] o MPLA sinalizou que João Lourenço, então Ministro da Defesa e Vice-Presidente do MPLA, poderia ser o cabeça da lista legislativa do partido e, portanto, seu candidato presidencial para as eleições legislativas de 2017, indicando a aposentadoria de José Eduardo dos Santos.[62] Na 3ª. Reunião Ordinária do MPLA, em 3 de fevereiro de 2017, Lourenço foi confirmado como cabeça de lista.[62] Nas eleições de agosto de 2017 o MPLA venceu novamente garantindo maioria, mas ficando evidente uma queda em seu apoio popular.[63] Lourenço é eleito presidente com uma margem de 61% dos votos.[63]

Em setembro de 2018, João Lourenço tornou-se o primeiro presidente do partido após quase quarenta anos, na sequência da decisão de José Eduardo dos Santos de se aposentar.[22] Foi eleita também pela primeira vez uma mulher como vice-presidente da agremiação, a deputada e jornalista Luísa Pedro Francisco Damião.[64]

Para as eleições gerais de Angola de 2022, o partido indicou João Lourenço como cabeça de lista à reeleição,[65] ladeado pela secretária de governo Esperança da Costa, como vice-cabeça de lista.[66] Pela primeira vez uma mulher ganhou tal protagonismo no partido, pois concorreu à vice-presidência de Angola.[67] O partido venceu as eleições com 3.209.429 de votos nas urnas, registrando maioria de 51,17%, mas registrou uma histórica queda de um milhão de votos, conquistando 124 cadeiras parlamentares, face às 150 das eleições de 2017. Pela primeira vez, desde as eleições de 1992, o partido perdeu maioria de representação parlamentar em províncias, sendo o caso de Luanda, Cabinda e Zaire.[68]

Organização

O partido se organiza nacionalmente nos órgãos dirigentes Comité Central e Bureau Político. Além disso, mantém uma organização juvenil, a Organização de Pioneiros Agostinho Neto (OPA), uma ala jovem, a Juventude do Movimento Popular de Libertação de Angola (JMPLA), uma ala feminina, a Organização da Mulher Angolana (OMA) e uma entidade sindical, a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA).[69]

Mantém ainda o periódico ÉME, além de uma rede denominada Centro de Formação Política do Partido (CEFOP), vocacionada a formar militantes e dirigentes em conhecimentos políticos, ideológicos e culturais.[70] O organismo cultural e assistencial Fundação Sagrada Esperança (FSE) também é ligado ao partido.[71] Seu símbolo máximo é a Bandeira do MPLA,[72] e seus lemas são "Paz, Trabalho e Liberdade",[73] "A Vitória é Certa!"[74] e "A Sagrada Esperança da Liberdade".[74]

Resultados eleitorais

Eleições presidenciais

DataCandidato1ª Volta2ª Volta
CI.Votos%CI.Votos%
1992José Eduardo dos Santos1.º1 953 335
49,57 / 100,00
Não se realizou

Eleições legislativas

DataLíderCI.Votos%+/-Deputados+/-Status
1992José Eduardo dos Santos1.º2 124 126
53,74 / 100,00
129 / 220
Governo
2008José Eduardo dos Santos1.º5 266 216
81,64 / 100,00
27,90
191 / 220
62Governo
2012José Eduardo dos Santos1.º4 135 503
71,84 / 100,00
9,80
175 / 220
16Governo
2017João Lourenço1.º4 115 302
61,05 / 100,00
10,79
150 / 220
25Governo
2022João Lourenço1.º3 162 801
51,07 / 100,00
9,98
124 / 220
26Governo

Líderes do partido

Presidentes

Vice-presidentes

Secretários-gerais

Menções na cultura popular

O MPLA é mencionado em alguns produtos culturais, como é o caso da canção "O Homem Novo Veio da Mata", de José Afonso, inteiramente dedicada ao movimento de libertação angolano.[78] O MPLA também surge referenciado noutras canções, como "Anarchy in the U.K.", dos Sex Pistols,[79] ou "Morena de Angola", de Chico Buarque.[80] Na primeira, é feita uma comparação entre a Inglaterra do final da década de 1970 com a Guerra Civil Angolana.[79] Na segunda, composta por Chico Buarque para Clara Nunes após uma visita de ambos a Angola, o MPLA é mencionado como uma forma subtil de demonstrar o despertar de uma consciência política na cantora.[80]

O escritor angolano Pepetela, em livros como "Mayombe" e "A geração da utopia", retrata a vida de guerrilheiros do MPLA.[81] Outra menção na literatura está na novela "Cinco dias depois da independência" de Manuel Rui, especialmente sobre o "Comandante Kwenha", uma criança-soldado da Organização dos Pioneiros de Angola (OPA) do MPLA.[82]

O partido também é mencionado no jogo Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, sendo uma das muitas organizações citadas.[83] Parte do jogo se passa na fronteira entre Zaire e Angola, abordando de forma breve as tensões políticas angolanas.[83]

Ver também

Notas

Referências

Bibliografia

  • Don Barnett & Roy Harvey, The Revolution in Angola: MPLA, Life Histories and Documents, Nova Iorque: Bobbs-Merrill, 1972
  • John Marcum, The Angolan Revolution, 2 vol., Cambrige/Mass. & Londres: MIT Press, 1969 e 1978
  • Mário de Andrade & Marc Ollivier, La guerre en Angola, Paris: Maspéro, 1971
  • Carlos Pacheco, MPLA: Um nascimento polémico. As falsificações da história, Lisboa: Vega, 1997
  • Lúcio Lara, Um amplo movimento: Itinerário do MPLA através de documentos e anotações, vol. I, Até Fevereiro de 1961, 2ª ed., Luanda: Lúcio & Ruth Lara, 1998, vol. II, 1961-1962, Luanda: Lúcio Lara, 2006, vol. III, 1963-1964, Luanda: Lúcio Lara, 2008
  • Jean-Michel Mabeko Tali: Dissidências e poder de Estado: O MPLA perante si próprio (1966–1977), Luanda: Nzila, 2001.
  • Fernando Tavares Pimenta, Angola no percurso de um nacionalista: Conversas com Adolfo Maria, Porto: Afrontamento, 2006.
  • Fátima Salvaterra Peres, A Revolta Activa: Os conflitos identitários no contexto da luta de libertação (em Angola), dissertação de mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 2010
  • Edmundo Rocha, Angola: Contribuição ao estudo do nacionalismo moderno angolano. Testemunho e estudo documental. Período de 1950-1964, 2 volumes, Luanda: Nzila e Lisboa: Edição do autor, 2002 e 2003, respectivamente
  • Melo, João de (1988). Os Anos da guerra, 1961-1975: os portugueses em África - crónica, ficção e história. Lisboa: Publicações D. Quixote. ISBN 972-20-1481-1 
  • Okoth, Assa (2006). A History of Africa: African nationalism and the de-colonisation process (em inglês). Nairóbi: East African Publishers. ISBN 9966-25-358-0