Otto Maria Carpeaux
Otto Maria Carpeaux, nascido Otto Karpfen (Viena, 9 de março de 1900 – Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 1978), foi um jornalista, ensaísta, poliglota, crítico literário, crítico de arte, crítico de música,[7] e historiador literário[8] austríaco naturalizado brasileiro. Polímata, Carpeaux é famoso por sua Magnum Opus, A História da Literatura Ocidental, uma das obras mais importantes publicadas no Brasil no século XX.
Otto Maria Carpeaux | |
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Otto Maria Carpeaux no Consulado Geral do Brasil em Antuérpia (1939) | |
Nome completo | Otto Maria Carpeaux |
Nascimento | 9 de março de 1900 Viena, Império Austro-Húngaro (Atual Áustria) |
Morte | 3 de fevereiro de 1978 (77 anos) Rio de Janeiro |
Nacionalidade | austríaco brasileiro |
Cidadania | austríaco brasileiro |
Progenitores | Mãe: Gisela Karpfen (Cracóvia, 24 de abril de 1880),[1][2] – Włodawa, maio-outubro de 1942[3] Pai: Max Karpfen (Viena, 20 de novembro de 1869 – Viena, 24 de novembro de 1931)[1][4] |
Cônjuge | Hélene Silberherz (Otynia, 18 de setembro de 1899[5] – Rio de Janeiro, c. 1988[6]) |
Ocupação | Ensaísta, crítico literário, crítico de arte, historiador, crítico de música e jornalista |
Prêmios | Prêmio Jabuti 1964 |
Magnum opus | A História da Literatura Ocidental (1959-1966) |
Religião | Judaísmo Catolicismo |
Biografia
Na Europa
Otto Maria Carpeaux nasceu em 9 de março de 1900, em Viena, capital do Império Austro-Húngaro, filho único[9] do advogado[10] e funcionário público[11][12][13] judeu Max Karpfen e da polonesa Gisela Karpfen, do lar e católica, nascida Gisela Schmelz.[1][2] "O ambiente em que vivia a família", relata Renard Perez, "era burguês sem riqueza".[10] Ainda segundo Perez, Carpeaux fez os primeiros estudos em Viena, "mas esse período de sua vida se encontra quase totalmente esquecido e daria trabalho para um psicanalista a tentativa de sua reconstituição. Também o ginásio (8 anos) foi feito em Viena".[10]
Por desejo do pai, iniciou em 1918[14] o curso de Direito, mas o abandonou um ano depois, por não sentir a vocação.[10] Por volta de 1922[15] até 1925 estudou na Faculdade de Filosofia da Universidade de Viena, frequentando cursos de filosofia e química e graduando-se em Química em 29 de junho de 1925, obtendo o título de Doutor em Filosofia com a tese Über die Hypohirnsäure, ein neues Triaminomonophosphorsulfadit aus Menschenhirn,[16] publicada em 1926 na revista Biochemische Zeitschrift.[17] Embora não seguisse a profissão,[9] continuou na Universidade de Viena de 1925 a 1927, exercendo o cargo de assistente da Faculdade de Filosofia.[17][18]
Num período ainda não esclarecido (antes de 1922 ou depois de 1927), Carpeaux ainda teria estudado na Faculdade de Filosofia da Universidade de Leipzig,[17] bem como Literatura Comparada na Faculdade de Filosofia da Universidade de Nápoles[17][19] e Sociologia e Política na Hochschule für Politik (Escola Superior de Política), de Berlim.[20]
De 1927 a 1929, segundo registros da Fundação Getúlio Vargas,[17] Carpeaux teria percorrido a Europa, especializando-se em universidades e atuando, a partir de 1928, como correspondente de jornais vienenses, em Paris, Londres, Roma e Amsterdã. Em 1927 ou 1928, teria se formado na Haute École des Sciences Politiques, de Paris; em 1928 na Faculté de Lettres de Genebra. Entre 1928 e 1929, conforme revela Homero Senna, "teria trabalhado em Berlim redigindo roteiro para o cinema mudo",[21] atividade a que Carpeaux se referiu em um pronunciamento, em 15 de julho de 1942, no Rio, durante um "debate sobre cinema silencioso e sonoro".[22]
De volta a Viena, casou-se em 22 de fevereiro de 1930, na Sinagoga Hietzinger,[23] com a cantora Hélene Silberherz (Otynia, 18 de setembro de 1899[5] – Rio de Janeiro, c. 1988[6]) que ele já conhecia havia anos e, no ano seguinte, morre-lhe o pai.[10] Meses antes, em 1931, teria começado a escrever ensaios e resenhas literárias e musicais para alguns periódicos, como a revista Die Literatur[24] (Stuttgart), o jornal Neue Freie Presse[25] (Viena), a revista Der Querschnitt[26] (Berlim) e, de 1931 a 1934, a revista musical Signale für die musikalische Welt[27] (Berlim).
Em 18 de abril de 1933 renuncia formalmente ao judaísmo[28] e se converte ao catolicismo, motivo por que ora acrescenta "Maria", ora substitui "Karpfen" por "Maria Fidelis" ao seu nome, este último até o ano de 1935. Ainda em 1933 é nomeado diretor da Biblioteca de Ciências Econômicas e Sociais de Viena, cargo exercido até 1938.[17] De 1934 a 1938, torna-se segundo redator-chefe do jornal Reichspost, o "maior jornal católico da Áustria", onde, durante longo tempo, escreveu "os artigos de fundo políticos e econômicos", como revelou em carta a Alceu Amoroso Lima.[18] Também neste período (1934-1938), foi diretor e redator-chefe da revista Berichte zur Kultur und Zeitgeschichte,[17] periódico oficial da Ação Católica na Áustria,[18] fundado pelo amigo Nikolaus Hovorka (1900-1966) e por Viktor Matejka. Hovorka também adquirira a Editora Reinhold, provavelmente em 1934, onde se editaram a citada revista e, entre outros, dois livros de Carpeaux e um de Engelbert Dollfuss.[29] Foi por meio de Hovorka que conheceu o fundador do jornal católico Der Christliche Ständestaat (Viena) Dietrich von Hildebrand (1889-1977), teólogo e filósofo católico cuja "oposição a Hitler e ao nazismo", afirma projeto dedicado a ele, "foi tão sincera que foi forçado a fugir da Alemanha em 1933".[30] Nas memórias de Hildebrand, publicadas recentemente em My battle against Hitler (2014), Carpeaux é descrito como "amigo e colaborador" de Hovorka. "Karpfen", prossegue, "era um judeu convertido. Hovorka recomendou-mo como colaborador do Ständestaat. Karpfen era muito talentoso e, desde então, escreveu frequentemente em nosso jornal".[31]
Por esta época, Carpeaux tornou-se homem de confiança dos primeiros-ministros Engelbert Dollfuss e Kurt Schuschnigg, últimos antes da anexação da Áustria pelo Reich alemão. Com a queda do Reich, Karpfen e Hélene foram obrigados a seguir para o exílio, durante o qual Otto deixou a mãe para trás[3][10] e levou consigo apenas um missal.[32]
Em princípios de 1938, foge para Antuérpia, na (Bélgica), onde trabalha como jornalista na Gazet van Antwerpen, maior jornal belga de língua holandesa.
No Brasil
Diante da escalada nazista, Carpeaux sente-se inseguro e foge com a mulher, em fins de 1939, para o Brasil. Durante a viagem de navio, estoura a II Guerra. Recusando qualquer ligação com o que estava acontecendo no Reich, muda seu sobrenome germânico Karpfen para o francês Carpeaux.
Ao desembarcar, nada conhecia da literatura brasileira, nada sabia do idioma e não tinha conhecidos. Na condição de imigrante, foi enviado para uma fazenda no Paraná, designado para o trabalho no campo. O cosmopolita e erudito Carpeaux ruma para São Paulo. Inicialmente passa dificuldades; sem trabalho, sobrevive à custa da venda de seus próprios pertences, inclusive livros e obras de arte. Poliglota, o homem que já sabia inglês, francês, italiano, alemão, espanhol, flamengo, catalão, galego, provençal, latim e servo-croata, em um ano aprendeu e dominou o português, com muita facilidade devido ao conhecimento do latim e de outras línguas dele derivadas.
Em 1940, tenta ingressar no jornalismo nacional, mas não consegue. Então escreve uma carta a Álvaro Lins a respeito de um artigo sobre Eça de Queiróz. A resposta veio em forma de convite, em 1941, para escrever um artigo literário para o Correio da Manhã, do Rio de Janeiro. Seu artigo é publicado, iniciando uma colaboração regular. Até 1942, Carpeaux escrevia os artigos em francês, que eram publicados em tradução. Mostrando sua grande inteligência e erudição, divulgou autores estrangeiros pouco ou mal conhecidos entre o público brasileiro, desenvolvendo-se um grande crítico literário. Nesse mesmo ano, Otto Maria Carpeaux naturalizou-se brasileiro. Ainda em 1942, publica o livro de ensaios A Cinza do Purgatório.
Entre 1942 e 1944 Carpeaux foi diretor da Biblioteca da Faculdade Nacional de Filosofia. Em 1943, publica Origens e Fins.
De 1944 a 1949 foi diretor da Biblioteca da Fundação Getúlio Vargas. Em 1947 publica sua monumental História da Literatura Ocidental – o mais importante livro do gênero em língua portuguesa – no qual analisa a obra de mais de oito mil escritores, partindo de Homero até mestres modernistas, neste caso sendo o estudo de sua predileção. Em 1950, torna-se redator-editor do Correio da Manhã. Em 1951, publica Pequena Bibliografia Crítica da Literatura Brasileira, obra singular na literatura nacional - reunindo, em ordem cronológica, mais de 170 autores de acordo com suas correntes, da literatura colonial até nossos dias. Sua produção crítica literária é intensa, escrevendo em jornais semanalmente.
Em 1953, publicou Respostas e Perguntas e Retratos e Leituras. Em 1958, publicou Presenças, e em 1960, Livros na Mesa.
Carpeaux foi forte opositor do Regime Militar, redigindo artigos acerca da retrógrada autoridade da então nova ordem militar, participando de debates e eventos políticos. Contudo, escreveu editoriais em Jornais de 1964 pró-golpe (Basta! e Fora! foram os títulos deles), Nesse período foi também, ao lado de Antônio Houaiss, coeditor da Grande Enciclopédia Delta-Larousse.[33] Participou da Passeata dos Cem Mil, em 1968, contra a ditadura militar.
Eentre 1972 e 1977, Carpeaux foi convidado pela Revista Manchete para participar, junto com Paulo Mendes Campos, José Castello, Raimundo Magalhães Junior e Ruy Castro, dentre outros, da série de ensaios literários "As Obras Primas que Poucos Leram". Mais de 70 dos cerca de 200 artigos da série foram de sua autoria.
Em 3 de fevereiro de 1978, morre no Rio de Janeiro de ataque cardíaco.
Encontra-se colaboração da sua autoria na revista luso-brasileira Atlântico.[34]
Perfil
José Roberto Teixeira Leite, que conheceu Carpeaux quando vivia no Rio de Janeiro, descreve a figura do sábio austríaco: Carpeaux foi um dos homens mais feios que conheci... sua aparência neanderthalesca, todo mandíbulas e sobrancelhas, fazia a delícia dos caricaturistas: parecia, sem tirar nem por, um troglodita, mas troglodita de ler Homero e Virgílio no original, de se deliciar com Bach e Beethoven e de diferenciar entre Rubens e Van Dyck. E acrescenta que Carpeaux era totalmente gago, o que o afastou da cátedra e das universidades para confiná-lo em bibliotecas, gabinetes e redações.[35]
Cultivou amizade com grande número de intelectuais de sua época, bem como algumas inimizades. Não raro, Carpeaux foi identificado como um homem generoso, paciente mas intransigente quando provocado por fatos e juízos que julgasse absurdos ou equivocados.[36]
Segundo Sérgio Augusto, "Carpeaux conhecia a fundo todos os clássicos, todos os pensadores, todos os compositores eruditos, todos os pintores (...) Era generoso, paciente com jovens ignaros como eu e divertidamente intransigente e irascível quando provocado por fatos e juízos que julgasse equivocados, insultuosos ou apenas absurdos." e "Na verdade, não era ortodoxo nem heterodoxo, preferindo uma relação dialética entre esses dois extremos".[36]
Alfredo Bosi notou que "Carpeaux atravessou a crítica positivista, a idealista, a psicanalítica, o new criticism, a estilística espanhola, o formalismo, o estruturalismo, a volta à crítica ideológica... Mas, educado junto aos culturalistas alemães e italianos do começo do século, ele sabia que nada se entende fora da História".[37]
Franklin de Oliveira, citado na quarta capa do vol. 1 de História da literatura ocidental (2005), considerou que Carpeaux "não é um escritor — é uma enciclopédia viva. Mas, mais do que uma enciclopédia viva, é um homem: na coragem de suas convicções, na bravura de suas atitudes, na limpidez de sua visão — um rebelde inato. Sua linhagem — a dos grandes humanistas".[38]
Para Álvaro Lins, Carpeaux tem um estilo "muito pessoal, muito direto, muito denso. [...]. Notar-se-á que é um estilo vivo, preciso e ardente. Às vezes, enérgico e áspero. Nestas ocasiões, sobretudo, este estilo está confessando um temperamento de inconformista, de panfletário, de debater".[39]
Obras
- Publicadas na Europa
- 1934 – Wege nach Rom: Abenteuer, Sturz und Sieg des Geistes [nota 1]
- 1935 – Osterreichs europäische Sendung: ein aussenpolitischer Überblick [nota 2]
- 1937 - Van Habsburg tot Hitler [nota 3]
- Publicadas no Brasil
- 1942 – A cinza do purgatório [nota 4]
- 1943 – Origens e fins [nota 5]
- 1951 – Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira [nota 6]
- 1953 – Respostas e perguntas [nota 7]
- 1953 – Retratos e leituras [nota 8]
- 1958 – Presenças [nota 9]
- 1958 – Uma nova história da música [nota 10]
- 1959-1966 – História da Literatura Ocidental [nota 11]
- 1960 – Livros na mesa [nota 12]
- 1964 – A literatura alemã [nota 13]
- 1965 – A batalha da América Latina [nota 14]
- 1965 – O Brasil no espelho do mundo [nota 15]
- 1968 – As revoltas modernistas na literatura [nota 16]
- 1968 – Vinte e cinco anos de literatura [nota 17]
- 1971 – Hemingway: tempo, vida e obra [nota 18]
- Em coautoria
- Póstumas
- 1978 – Reflexo e realidade: ensaios [nota 21]
- 1978 – Alceu Amoroso Lima [nota 22]
- 1992 – Sobre letras e artes [nota 23]
- 1999 – Ensaios reunidos: 1942-1978, vol. I [nota 24]
- 2005 – Ensaios reunidos: 1946-1971, vol. II [nota 25]
- 2013 – A história concisa da literatura alemã [nota 26]
- 2014 – Caminhos para Roma: aventura, queda e vitória do espírito [nota 27]
- 2016 – O canto do violino e outros ensaios inéditos [nota 28]
- 2020 – A Literatura Russa através dos Contos: ensaio crítico (2 vols.) [nota 29]
- 2021 – Para compreender Tolstói e outros: ensaios: vol. 1 [nota 30]
- 2021 – Para compreender Tolstói e outros: ensaios: vol. 2 [nota 31]
- 2021 – Homens e destinos [nota 32]
Referências
Bibliografia
Notas
Ver também
- Bibliografia periódica de Otto Maria Carpeaux na imprensa brasileira
- História da filosofia no Brasil
- Literatura do Brasil
Ligações externas
- Wladimir Saldanha, “Com Borges, em defesa de Carpeaux” (2021)
- Mário Zeidler Filho, “Os ‘livros perdidos’ de Otto Maria Carpeaux” (2018)
- Pedro Maciel, “O historiador das ideias” (1999)
- Ronaldo Conde Aguiar, “Otto Maria Carpeaux, cultura e política” (Wayback Machine) (2001)
- Thomas Giulliano Ferreira dos Santos, “Otto Maria Carpeaux e a revista literária ‘Província de São Pedro’” (Wayback Machine) (2018)