Império Acádio

império asiático extinto
 Nota: "Acadianos" redireciona para este artigo. Para outros significados, veja Acadiano (desambiguação).

Império Acádio (também chamado Império Acadiano ou Império da Acádia ou somente Acádia) foi o primeiro império multiétnico, governado a partir de um centro, conhecido da História. Situava-se na Mesopotâmia, centrado na cidade de Acádia e sua região circundante, que a Bíblia também chamava de "Acádia". Este uniu os falantes acádios e sumérios sob um único governo. O Império Acadiano exerceu influência na Mesopotâmia, no Levante e na Anatólia, ao enviar expedições militares ao sul até Dilmum e Magão (atual Barém e Omã) na Península Arábica.[1]

Império Acádio
2 334 a.C.2 154 a.C. 
Região
CapitalAcádia
Países atuais

Línguas oficiais

• 2 334–2 279 a.C.  Sargão
• 2 254–2 218 a.C.  Narã-Sim
• 2 168−2 154 a.C.  Xuturul

Período histórico
• 2 334 a.C.  Sargão conquista as cidades-estados do sul.
• 2 154 a.C.  Colapso perante os gútios

O período acadiano é geralmente datado de c. 2334 até c. 2154 a.C. Foi precedido pelo Período Dinástico Arcaico e sucedido pela Terceira Dinastia de Ur.[2][3] Durante o III milênio a.C., desenvolveu-se uma simbiose cultural muito íntima entre os sumérios e os acadianos, que incluiu o bilinguismo generalizado.[4] O acadiano, uma língua semítica oriental,[5] gradualmente substituiu o sumério como língua falada em algum momento entre o terceiro e o II milênio a.C. (a data exata ainda é uma questão em debate).[6]

O Império Acadiano atingiu seu ápice político entre o século XXIV e XXII a.C., seguindo as conquistas de seu fundador Sargão da Acádia.[7] Sob o regime de Sargão e seus sucessores, a língua acádia foi brevemente imposta aos Estados vizinhos conquistados, como Elam e Gutium. A Acádia é às vezes considerado como o primeiro império da história, embora o significado deste termo não seja preciso, além de haver requerentes sumérios anteriores.[8][9] Após a queda do Império Acádio, o povo da Mesopotâmia finalmente se uniu em duas grandes nações de língua acadiana: a Assíria, no norte, e, alguns séculos depois, a Babilônia, no sul.

Etimologia

O nome "Acádia" é provavelmente uma invenção suméria, aparecendo, por exemplo, na lista de reis sumérios, donde possivelmente deriva a forma semítica assírio-babilônica tardia akkadû ("da, ou pertencente à, Acádia").[10][11]

É bastante provável que o nome não-semítico "Ágade" signifique "coroa (ago) de fogo (de)"[1] em alusão a Istar, a "deusa brilhante" ou "refulgente", a divindade tutelar da estrela da manhã e do entardecer e deusa da guerra e do amor (cf. Vênus, Afrodite, Lúcifer), cujo culto era praticado nos absolutos primórdios da Acádia. Esse fato também é comprovado por Nabonido, que relata [2] como a adoração a Istar terminou sendo suplantada pela da deusa Anunite, uma outra personificação da ideia de Istar, cujo santuário ficava em Sipar. É crucial deixar claro que havia duas cidades de nome Sipar: uma sob a proteção de Samas, o deus do sol; e uma sob a de Anunite, fato que vigorosamente indica uma provável proximidade entre Sipar e Ágade. Uma outra teoria, surgida em 1911[3], sugere que Ágade postava-se em frente a Sipar, do lado esquerdo da margem do rio Eufrates, e que era provavelmente a parte antiga da cidade de Sipar.[11][10]

Na literatura babilônica que surgiria posteriormente, o nome Acádia, bem como Suméria, aparece como parte de títulos de nobreza, como o termo sumério lugal Kengi (ki) Uru (ki) ou o termo acádio šar māt Šumeri u Akkadi (ambos traduzidos como "rei da Suméria e da Acádia"), que terminaram significando simplesmente "rei da Babilônia".[11][10]

Mencionada uma única vez no Antigo Testamento (cf. Gênesis 10:10 - O princípio do seu reino foi Babel, Ereque (ou Uruque), Acade e Calné, na terra de Sinar.,[4] também como Agade, dependendo da tradução), a Acádia é, em hebraico, é grafada como אכּד, ak-kad, a palavra em si provindo duma raiz infrequente que provavelmente significa "fortificar" ou "reforçar", ou ainda "fortaleza".[5] Em variantes do grego antigo, é grafada como αχάδ (achad), αρχάδ (archad), ou ainda, apesar de raro, αξάδ (axad); em grego moderno, como Ακκάδ, Akkad. No Antigo Testamento, é descrita como uma das cidades principais: Acádia, Babel, Ereque e Calné, constituindo o núcleo do reino de Ninrode, presente em textos como a lista de reis sumérios. A forma semítica assírio-babilônica posterior, Akkadu, ou Accadu ("de ou pertencente à Acádia"), é provavelmente uma forma derivada de Ágade.[11][10]

História

Cabeça de bronze de um acadiano, provavelmente uma imagem de Manistusu ou NArã-Sim; descendentes de Sargão (Museu Nacional do Iraque)

Quando Sargão I, patesi da cidade de Acádia, subiu ao poder em 2334 a.C. ele levou a cabo uma série de campanhas militares que culminaram na conquista de muitas das regiões circunvizinhas, terminando por criar um império de grandes proporções, cobrindo todo o Oriente Médio e chegando a se estender até o Mar Mediterrâneo e a Anatólia. Sargão I era chamado "soberano dos quatro cantos da terra", em reconhecimento ao sucesso da unificação mesopotâmica. É interessante notar, contudo, que, apesar da unificação, as estruturas políticas da Suméria continuaram existindo. Os reis das cidades-estados sumerianas foram mantidos no poder e reconheciam-se como tributários dos conquistadores acadianos.

O império criado por Sargão desmoronou após dois séculos, em 2154 a.C., em consequência de revoltas internas e dos ataques dos gútios, nômades originários dos montes Zagros, no Alto do Tigre, que investiam contra as regiões urbanizadas, uma vez que a sedentarização das populações do Oriente Médio lhes dificultava a caça e o pastoreio.

Colapso

Os gútios (à direita) capturam uma cidade da Babilônia, enquanto os acadianos estão posicionados do lado de fora da cidade (à esquerda). Ilustração do século XIX

O império caiu talvez no século XXII a.C., 180 anos após sua fundação, dando início a uma "Idade das Trevas", sem nenhuma autoridade imperial proeminente até o surgimento da Terceira Dinastia de Ur. A estrutura política da região pode ter voltado ao status quo anterior de governança local, através das cidades-Estados.[12]

Por volta de 2150 a.C., os gútios conquistaram a civilização sumério-acadiana. O domínio intermitente dos gútios durou um século, sendo substituído no século seguinte (r. 2100–1950 a.C.) por uma dinastia proveniente da cidade-estado de Ur.[13]

Seca

Ver artigo principal: Evento climático de 4200 ap

Uma teoria associa o declínio regional no final do período acadiano (e do Primeiro Período Intermediário após o Império Antigo no Antigo Egito) foi associada a um aumento rápido da aridez e à falta de chuvas na região do antigo Oriente Próximo, causada por uma seca global em escala centenária.[14][15] O arqueólogo Harvey Weiss mostrou que:

...dados arqueológicos e estratigráficos do solo definem a origem, o crescimento e o colapso de Subir, a civilização agrícola alimentada pela chuva do terceiro milênio do norte da Mesopotâmia, nas planícies de Habur, na Síria. Em 2200 a.C., um aumento acentuado na aridez e na circulação do vento, após uma erupção vulcânica, induziu uma considerável degradação das condições de uso da terra. Depois de quatro séculos de vida urbana, esta abrupta mudança climática evidentemente causou o abandono de Tell Leilan, a deserção regional e o colapso do Império Acadiano, baseado no sul da Mesopotâmia. O colapso síncrono em regiões adjacentes sugere que o impacto da brusca mudança climática foi extenso.[16]

Peter B. de Menocal, mostrou que "havia uma influência da oscilação do Atlântico Norte no fluxo dos rios Tigre e Eufrates neste período, o que levou ao colapso do Império Acadiano".[17]

Governo

O governo acadiano formou um "padrão clássico" com o qual todos os futuros Estados da Mesopotâmia se comparariam. Tradicionalmente, o ensi era o mais alto funcionário das cidades-Estados da Suméria. Nas tradições posteriores, tornava-se um ensi casando-se com a deusa Inana, legitimando o governo através do consentimento divino. Registros no complexo administrativo de Brak também sugerem que os acadianos designavam moradores locais como cobradores de impostos.[18]

Economia

Selo cilíndrico do escriba Calqui (Kalki), mostrando o príncipe Ubil-Estar, provável irmão de Sargão, com dignitários (um arqueiro na frente, o escriba segurando uma tábua seguindo o príncipe e dois dignitários com armas).[19][20]

A população acadiana, como quase todos os estados pré-modernos, dependia inteiramente dos sistemas agrícolas da região, que parecem ter dois centros principais: as terras irrigadas do sul do Iraque, que tradicionalmente tinham um rendimento de 30 grãos gerados para cada um semeado, e a agricultura de sequeiro do norte do Iraque, conhecido como o "País Superior". O sul do Iraque, durante o período acadiano, parece estar se aproximando do nível atual de chuvas de menos de 20 mm por ano. Como resultado disto, a agricultura dependia totalmente da irrigação. Antes do período acadiano, a salinização progressiva dos solos, produzida por irrigação mal drenada, vinha reduzindo os rendimentos do trigo na parte sul do país, levando à conversão para um cultivo de cevada mais tolerante ao sal. As populações urbanas já atingiram seu pico já em 2 600 a.C. e as pressões demográficas foram altas, contribuindo para a ascensão de um militarismo aparente imediatamente antes do período acadiano (como visto na Estela dos Abutres de Eanatum). A guerra entre as cidades-Estado levou a um declínio populacional, do qual a Acádia proporcionou uma pausa temporária. Foi este alto grau de produtividade agrícola no sul que permitiu o crescimento das densidades populacionais mais altas do mundo nessa época, dando aos acadianos sua vantagem militar.[21]

Concha do mar de um murex com o nome de Rimus, rei de Quis, c. 2 270 a.C., Louvre, negociado a partir da costa do Mediterrâneo, onde foi usado pelos cananeus para fazer uma tintura roxa

O lençol freático nessa região era muito alto e reabastecido regularmente por tempestades de inverno nas cabeceiras do Tigre e Eufrates de outubro a março e pela neve derretida de março a julho. Os níveis de inundação, que estavam estáveis ​​entre cerca de 3000 a 2600 a.C., começaram a cair e, no período acadiano, eram de meio metro a um metro abaixo do registrado anteriormente. Mesmo assim, a topografia plana da região e as incertezas climáticas tornaram as enchentes muito mais imprevisíveis do que no caso do Nilo; graves inundações parecem ter ocorrido regularmente, exigindo manutenção constante de valas de irrigação e sistemas de drenagem. Os agricultores eram recrutados em regimentos para este trabalho de agosto a outubro - um período de escassez de alimentos - sob o controle das autoridades do templo da cidade, agindo assim como uma forma de alívio do desemprego. Gwendolyn Leick[22] sugeriu que este era o emprego original de Sargão o rei de Quis, o que deu-lhe experiência para organizar efetivamente grandes grupos de homens; uma tabuleta diz: "Sargão, o rei, a quem Enlil não permitia rival - 5 400 guerreiros comiam pão todos os dias antes dele".[23]

A colheita era feita no final da primavera e durante os meses secos do verão. Os amorreus nômades do noroeste levavam seus rebanhos de ovelhas e cabras para pastar no resíduo da colheita que eram regados pelo rio e pelos canais de irrigação. Por este privilégio, tinham de pagar uma taxa de , carne, leite e queijo aos templos, que distribuiriam esses produtos à burocracia e ao sacerdócio. Em anos bons, tudo funcionava bem, mas nos anos ruins, pastagens selvagens ficavam em falta no inverno e os nômades tentavam pastar seus rebanhos nos campos de grãos, o que resultava em conflitos com os agricultores. Parece que o subsídio das populações do sul pela importação de trigo do norte do Império superou temporariamente esse problema e parece ter permitido a recuperação econômica e uma população crescente dentro desta região.[24]

Comércio internacional

Ver artigo principal: Relações indo-mesopotâmicas
Localizações das terras estrangeiras para os mesopotâmicos, como Elam, Magan, Dilmum, Marhashi e Meluhha

Como resultado, a civilização suméria-acadiana tinha um excedente de produtos agrícolas, mas tinha que importar quase todo o resto, particularmente minérios de metal, madeira e pedra de construção. A expansão do Estado acadiano até a "montanha de prata" (possivelmente os Montes Tauro), os "cedros" do Líbano e os depósitos de cobre de Magão, foi em grande parte motivada pelo objetivo de assegurar o controle sobre estes recursos. Uma tabuleta registra:

Sargão, o rei de Quis, triunfou em trinta e quatro batalhas (sobre as cidades) até a beira do mar (e) destruiu suas muralhas. Ele fez os navios de Meluhha, os navios de Magão (e) os navios de Dilmum amarrado ao lado do cais de Agade Sargão o rei prostrou-se antes (o deus) Dagã (e) fez súplicas a ele, e ele (Dagan) deu-lhe a terra superior, ou seja, Mari, Iarmuti, (e) Ebla , até a floresta de cedro (e) até a montanha de prata "
— - Inscrição por Sargão de Akkad (ca.2270-2215 aC)[25][26][27][28]

O comércio internacional se desenvolveu durante o período acadiano. As relações indo-mesopotâmicas também parecem ter se expandido: Sargão da Acádia (por volta de 2300 ou 2250 a.C.) foi o primeiro governante da Mesopotâmia a fazer uma referência explícita à região de Meluhha, que é geralmente entendida como a região do Baluchistão ou do rio Indo.[27]

Cultura

Arte

"Selo de Ada", Império Acádio, 2300 a.C.. Da esquerda para a direita: inscrição "Ada, o escriba"; deus da caça com arco e flecha; deus Istar com armas saindo de seus ombros; o deus-sol Samas; a ave do destino Zu; o deus da água Ea com um touro entre as pernas e o deus de face dupla Usimu com a mão direita levantada.[29]

Na arte, havia uma grande ênfase nos reis da dinastia, ao lado de muitos que continuaram a arte suméria anterior. Pouca arquitetura permaneceu intacta. Em grandes e pequenas obras, como focas, o grau de realismo foi consideravelmente aumentado,[30] mas os selos mostram um "mundo cruel de conflito violentos, de perigo e incerteza, um mundo em que o homem é submetido sem apelo aos incompreensíveis atos de divindades distantes e temerosas que ele deve servir, mas não pode amar. Esse humor sombrio ... permaneceu característico da arte mesopotâmica ... ".[31]

Os acádios usavam as artes visuais como um vetor de ideologia. Eles desenvolveram um novo estilo para selos cilíndricos, reutilizando decorações tradicionais de animais, mas organizando-as em torno de inscrições. As figuras também se tornaram mais esculturais e naturalistas. Novos elementos também foram incluídos, especialmente em relação à rica mitologia acadiana.[32]

Língua

Ver artigos principais: Língua suméria e Língua acádia
Inscrições em acadiano no obelisco de Manistusu

Durante o III milênio a.C., desenvolveu-se uma simbiose cultural muito íntima entre os sumérios e os acadianos, que incluiu o bilinguismo generalizado. A influência do sumério no acadiano (e vice-versa) é evidente em todas as áreas, desde o empréstimo lexical em escala maciça até a convergência sintática, morfológica e fonológica. Isso levou os estudiosos a se referirem ao sumério e acadiano no terceiro milênio como um sprachbund.[4] O acádio gradualmente substituiu o sumério como uma língua falada em algum momento por volta de 2000 a.C. (a datação exata ainda é uma questão em debate),[6] mas o sumério continuou a ser usado como uma língua sagrada, cerimonial, literária e científica na Mesopotâmia até o século I d.C..[33]

Tecnologia

As tabuletas do período registram: "(Desde os primeiros dias) ninguém havia feito uma estátua de chumbo, (mas) Rimus, rei de Quis, tinha uma estátua de si mesmo feita de chumbo. Ela estava diante de Enlil; e recitou suas virtudes (de Rimus) para o idu dos deuses". A estátua de cobre de Bassetki, moldada com o método de cera perdida, atesta o alto nível de habilidade que os artesãos acadianos alcançaram durante o período.[34]

Notas

  1. prince, "Materials for a Sumerian Lexicon," pp. 23, 73, Journal of Biblical Literature, 1906.

Ver também

Notas

  1. Prince, "Materials for a Sumerian Lexicon", pp. 23, 73, Journal of Biblical Literature, 1906.
  2. I. Rawl. 69, col. ii. 48 and iii. 28.
  3. A. Leo Oppenheim, Ancient Mesopotamia: Portrait of a Dead Civilization
  4. Bíblia na versão portuguesa traduzida por João Ferreira de Almeida.
  5. Bíblia King James Version com Números Strong, versão inglesa.

Referências

Bibliografia

  • Liverani, Mario, ed. (1993). Akkad: The First World Empire: Structure, Ideology Traditions". Padova: Sargon srl. ISBN 978-8-81120-468-8
  • Oates, Joan (2004). "Archaeology in Mesopotamia: Digging Deeper at Tell Brak". 2004 Albert Reckitt Archaeological Lecture. In Proceedings of the British Academy: 2004 Lectures; Oxford University Press, 2005. ISBN 978-0-19726-351-8.
  • Sallaberger, Walther; Westenholz, Aage (1999), Mesopotamien. Akkade-Zeit und Ur III-Zeit, ISBN 978-3-525-53325-3, Orbis Biblicus et Orientalis, 160/3, Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht 
  • E. A. Speiser, Some Factors in the Collapse of Akkad, Journal of the American Oriental Society, vol. 72, no. 3, pp. 97-101, (Jul. - Sep., 1952)
  • Zettler, Richard (2003). "Reconstructing the World of Ancient Mesopotamia: Divided Beginnings and Holistic History". Journal of the Economic and Social History of the Orient 46(1).

Ligações externas

O Commons possui uma categoria com imagens e outros ficheiros sobre Império Acádio